sexta-feira, 2 de agosto de 2024

O CAVALEIRO DO MUNDO DELIRANTE

 

Para Murilo Mendes

& a resistência palestina

 

I

Rosa

de nenhuma

lua.

Caminho só

numa noite

escura

com os cabelos

já esbranquiçados

e as mãos

trêmulas

mudas.

O relógio

é inútil

como um pássaro

cego

perdido em meio

a chuvas

de fósforo

branco.

 

II

Em Khan Yunis

cidade de meus afetos

crianças correm

queimadas

como em Saigon

e desta vez

não há fotógrafos

para imortalizá-las

só o silêncio

criminoso

do oligopólio midiático.

 

III

Onde estão

as rotas

de fuga

a ponte

do arco-íris

as valquírias

de Odin

os anjos

terríveis

de Rilke

em meio

a escombros

placas de metal

retorcidas

arquitetura inacabada

de uma cidade

em ruínas

que os deuses

contemplam

bebendo jarros

de terra calcinada

misturada

a urânio empobrecido?

 

IV

A morte é um cristal violeta que reflete ossadas.

A morte é um cântaro esquelético sem teus seios.

A morte é o cavaleiro do mundo delirante

que passa uivando sob a minha janela de tijolos vermelhos.

 

V

Envelhecer é contemplar

a rosa

de nenhuma

lua

borrar o reflexo

no espelho

com uma faca

curva

de água

beber

uma xícara

de chá

com os corvos

de meus pesadelos

enquanto triunfam

em seu apocalipse

os turvos

açougueiros.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024

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