A poesia visual de Mário Alex Rosa se apropria de objetos de uso cotidiano, como talheres, luvas, tesouras e cadeados, que são incorporados em outros territórios simbólicos, adquirindo novas possibilidades de significação. Os procedimentos estéticos utilizados pelo poeta mineiro nessa jornada criativa, como o recorte, montagem e colagem de signos, recordam as técnicas dadaístas de ready made desenvolvidas nas primeiras décadas do século XX por poetas e artistas plásticos como Kurt Schwitters e Marcel Duchamp, que incorporaram detritos da sociedade industrial em suas obras, como cédulas monetárias, selos ou bilhetes de trem, denunciando a sociedade de consumo e a perda da “aura” da obra de arte, tal como assinalado pelo filósofo alemão Walter Benjamin. A crítica da realidade imediata e dos valores culturais hegemônicos é inerente a essa perspectiva, ao mesmo tempo criadora e demolidora, que se realiza de forma eficaz pelo uso do paradoxo, da alegoria e do humor. Em seus inusitados inutensílios – para usarmos uma palavra do vocabulário de Manoel de Barros –, o poeta mineiro, nascido em São João Del Rey, não renuncia à palavra, que é incorporada ao trabalho visual como representação do pensamento e como elemento plástico: as letras possuem um desenho que se tornou quase imperceptível na prática rotineira da leitura e cabe ao poeta justamente recuperar a sua vitalidade, o seu caráter de inscrição, mais evidente nos antigos alfabetos orientais e ocidentais, como as runas escandinavas, em que a escrita possuía um caráter simbólico e sagrado.
Ao
revalorizar a dimensão visual da escrita, Mário Alex Rosa atualiza a demanda de
Mallarmé, para quem era missão do poeta “dar um sentido mais puro às palavras
da tribo”, retirando-as de sua função apenas utilitária, ditada pelo
capitalismo, para que elas sejam valorizadas em seus aspectos plástico e
sonoro. A intersecção entre conceito,
ritmo, imagem e movimento, de evidente caráter lúdico, constroi a ironia desses
poemas visuais e poemas-objeto, que o autor mineiro apresentou na exposição Meus utensílios, realizada na Galeria de
Arte Copasa, em Belo
Horizonte, e que também em revistas eletrônicas como a Zunái (http://zunai.com.br/post/117084664838/galeria-m%C3%A1rio-alex).
Na composição intitulada Trouxeste a
chave?, por exemplo, o autor constroi a palavra Poema a partir da junção de cinco cadeados, cada um com uma letra
afixada em sua superfície, indicando, de maneira metafórica, o caráter cifrado
da poesia; em Uma broca para Brossa,
faz um jogo de imagens e de palavras com o nome do poeta catalão, associado à
capacidade de perfuração de materiais;
em Passando o poema a limpo,
um ferro de passar roupa é associado a um conjunto de palavras recortadas e
letraset, sob uma superfície vermelha.
Em todas estas composições, que poderiam ser comparadas aos inutensílios
de outro poeta mineiro, Sebastião Nunes, autor da Antologia mamaluca, a ênfase está na metalinguagem, na reflexão
sobre a própria atividade criadora do poeta; longe de representar uma atitude
escapista, coloca em xeque alguns dos vetores fundamentais da lógica de
mercado, como valor e função, além de questionar a facilidade da linguagem dos mass media. A subversão estética e
conceitual de Mário Alex Rosa está presente também em seus livros, como Formigas (2013), elaborado em parceria
com a artista plástica Lilian Teixeira, poema-objeto em que as palavras estão
distribuídas em diferentes posições, à esquerda, à direita, acima e abaixo,
conferindo mobilidade à escrita – e também à leitura e à própria relação entre
o leitor e o livro. Em Ouro Preto (2012), Via férrea (2013) e Deus não me livre (2015), obras que apresentam poemas em versos
livres, a visualidade está presente também: conforme diz o poeta, “a minha
questão é sempre a letra, a forma, a palavra, o sentido tátil-visual-sonoro que
cada palavra carrega, a busca é sempre a mesma, ou seja, me concentrar na
particularidade que cada palavra possa oferecer. O processo é diferente, mas a
tentativa de se chegar ao sentido crítico é o mesmo. A dor é a mesma”. Em Ouro
Preto, é preciso
destacar o diálogo que o poeta estabelece com a paisagem natural, a
arquitetura, a história e a mitologia da cidade que encantou Murilo Mendes. Não
se trata de lírica nativista, melancólica, nem de emulação da atmosfera
barroca: o poeta reinventa a cidade como espaço subjetivo e textual, onde “cada
palavra é cadafalso”.
(Artigo publicado na edição de dezembro/2015 da revista
CULT)
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