domingo, 5 de abril de 2015

BREVE REFLEXÃO SOBRE A DEMOCRACIA BRASILEIRA












A ditadura militar caiu em 1985, pela mobilização de centenas de milhares de pessoas que foram às ruas por eleições diretas já, no maior movimento popular de nossa história. Apesar da pressão das ruas, a mudança de regime aconteceu via negociação entre as elites, que conseguiram eleger, por via indireta, Tancredo Neves (PMDB) e o seu vice, José Sarney (PFL, atual DEM), dando início à chamada "Nova República". Com a morte de Tancredo, pouco tempo após assumir a presidência da república, Sarney assume o cargo no Palácio do Planalto e inicia algumas ações de democratização do estado: convoca uma Assembleia Nacional Constituinte, revoga a maioria das leis de exceção, como a lei de censura (a Lei de Segurança Nacional permanece até os dias de hoje), legaliza os Partidos Comunistas. O antigo Código Civil, que considerava a mulher um "ser relativamente incapaz" (ao lado das crianças, dos índios e dos loucos) tem o seu conteúdo revisado.

O processo de democratização, porém, é acompanhado de corrupção intensa, inflação elevada, desemprego, recessão. Sarney termina o mandato com elevada porcentagem de descontentamento popular e é sucedido por Fernando Collor de Mello, em 1989, numa eleição em que a mídia -- especialmente a Rede Goebbels -- colaborou e muito para a derrota de Lula, atribuindo ao PT o sequestro do empresário Abílio Diniz e apresentando na televisão uma versão editada do debate entre Lula e Collor, para favorecer este último. Collor não avança um milímetro na democratização do estado iniciada por Sarney, confisca a poupança de milhões de brasileiros e inicia a política neoliberal que teria continuidade na gestão de Itamar Franco (vice de Collor, que assumiu a presidência após o impeachment do titular do cargo) e nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB): privatização de empresas estatais, aplicação de medidas econômicas recessivas, arrocho salarial, submissão ao monitoramento de nossa economia pelo FMI (que já acontecia nos governos militares).

A vitória de Lula nas eleições presidenciais em 2002 iniciou uma nova fase em nossa história política, marcada por profundas transformações sociais: ao longo de doze anos, nas duas gestões de Lula e no primeiro mandato de Dilma, mais de 30 milhões de brasileiros saíram da situação de miséria e 40 milhões ingressaram na classe média. Os programas sociais implementados pelo governo federal tiraram o Brasil do mapa da fome, garantindo a segurança alimentar à população mais carente, ampliaram o acesso ao ensino técnico e à educação superior, com a construção de mais de 400 escolas técnicas, 18 universidades e a adoção de programas como o ProUni e o FIES. Outros programas federais, como o Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, o crédito do BNDS para a agricultura familiar e os microempresários, entre outras ações, elevaram o padrão de vida das classes populares. O Brasil pagou a sua dívida com o FMI e deixou de ter sua economia monitorada por essa instituição, manteve a estabilidade da moeda implementada por Itamar Franco – o Plano Real – e conseguiu gerar 22 milhões de empregos no período.

A política exterior brasileira, pela primeira vez em nossa história recente, afastou-se da agenda norte-americana: o Brasil reconheceu o Estado da Palestina, condenou as agressões contra a Líbia e a Síria, fortaleceu as relações econômicas e políticas com a América Latina, participando de instituições de integração e cooperação regional como o Mercosul, a Unasul e a Celac (que excluem a participação dos Estados Unidos), além de integrar os BRICs. Com a descoberta das jazidas de pré-sal, Dilma consegue aprovar no Congresso Nacional que 75% dos royalties (além de 10% do PIB) sejam aplicados na educação e 25% na saúde, atendendo às reivindicações das manifestações populares de julho de 2013. O governo federal, nos governos Lula e Dilma, deixou de ser um carrasco dos trabalhadores e dos estudantes, dialogando constantemente com as centrais sindicais – legalizadas durante o governo de Lula  –, os movimentos de trabalhadores rurais sem terra, as entidades estudantis e populares, criou políticas de cotas para afrodescendentes e de defesa dos direitos das mulheres. Apesar de todos estes avanços, porém, a democratização do estado e da sociedade não se aprofundou – os Conselhos Populares defendidos pelo governo federal foram vetados pelo Congresso Nacional, a Reforma Política e a Reforma Tributária, com a taxação das grandes fortunas, não saíram do papel (a Reforma do Judiciário sequer foi cogitada) e o projeto para o fim do financiamento empresarial das campanhas políticas foi engavetado por Gilmar Mendes.

A eleição de um Congresso Nacional extremamente conservador, com bancadas que defendem interesses de empreiteiras, bancos privados, grandes proprietários de terras, empresas de comunicação, seitas evangélicas e outros setores reacionários ameaça impor uma agenda de retrocesso ao país: redução da maioridade penal, revisão da lei relativa ao aborto, para a sua total proibição, restrições aos direitos de mulheres e homossexuais, fim do regime de partilha para a exploração do pré-sal, extinção do programa Mais Médicos – responsável pelo atendimento médico a uma população estimada em 50 milhões de pessoas – entre outros projetos esdrúxulos, incluindo o próprio impeachment da presidenta Dilma. A situação política atual é de crise, confronto, acirramento da luta de classes, estimulados pela mídia, e ainda não é possível prever o seu desfecho, para o qual será de importância fundamental a atuação dos movimentos sociais nas ruas, respondendo à burguesia e pressionando o Congresso Nacional.

Quais foram os grandes erros cometidos pelo PT ao longo destes 12 anos? 1) O mais grave de todos: não ter politizado a sociedade. Não basta reduzir a miséria e elevar o grau de consumo dos cidadãos sem um investimento correspondente na elevação de sua consciência política, o que abriu brechas para o crescimento de evangélicos e da extrema direita. 2) não ter pressionado o Congresso Nacional, já nos mandatos de Lula, pela aprovação de uma lei de regulamentação dos veículos de comunicação; 3) não ter investido na criação de emissoras públicas de rádio, televisão, jornais e revistas com conteúdo diferente do discurso único da mídia golpista; 4) não ter esclarecido a população, nas campanhas políticas das últimas quatro eleições presidenciais, sobre a necessidade de eleger grandes bancadas de deputados e senadores progressistas, para a continuidade dos avanços sociais; 5) não ter enfrentado, politicamente, a questão do suposto “mensalão”, permitindo que a mídia criminalizasse o partido – situação que perdura até hoje; 6) ter realizado concessões excessivas ao PMDB, recebendo em troca a infidelidade desse partido no Congresso Nacional; 7) não ter chamado os movimentos sociais em apoio ao governo federal ANTES que a crise política chegasse ao atual ponto de ebulição.

É possível reverter esse quadro? Sim, é possível, mas o PT só poderá dar continuidade ao projeto democrático-popular iniciado por Lula se tiver a coragem de aprofundar, por todos os meios, a democratização do estado e da sociedade brasileira. A outra alternativa é a do retrocesso e do caos.

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