sexta-feira, 27 de julho de 2012

POEMAS DE CLAUDIA ROQUETTE-PINTO


POEMA SUBMERSO

olho: peixe-olho que
desvia a mão enguia
a pele lisa a
té o umbigo e logo
a flora de onde aflora
(na virilha) o
barbirruivo a
ceso bruto na
fíbio: glabro

dedos tão tentáculos
e crispam esmer
ilham dorso abaixo a
cima abaixo brilha
o esforço — bravo
peixe tentando escapar      mas

ei-lo ao pé da frincha que
borbulha (esbugalha?)
roxo incha e mergulha em
brasa estala
e agora murcha
peixe-agulha e
vaza
vaza


RETRATO DE PABLO, VELHO

da sombra seu rosto se lança
um peixe
uma lua africana
boiando à superfície gasta e gris
a calva não dava um aviso
dos olhos vivos
de água, vivos
que engendram antes de ver
a testa de touro tem brio
empurra um nariz repartido:
uma face enfrenta,
a outra subtrai
o resto são rugas e ricto
papiro
e o som de cascos ancestrais


NO ÉDEN

peça a ela que se desnude
começa pelos cílios
segue-se ao arame dos
utensílios diários
(insônia alinhavando-se
de tiros,
a infância       seus disfarces)
é preciso
que se arranque toda a face
deixar que os olhos descansem
lado a lado com os sapatos
na camurça oscilante
de um quarto
isso, se quer (sequer desconfia)
tocar o que se fia (um par
de presas, topázios)
entre os vãos das costelas
abra o fecho ela desfecha
no escuro o quadrante onde vaza
a luz e suas arestas



a Novalis

Ainda úmidas sobre a folha,
orvalho escuro que pousa
na pele, impiedosa e nua.
Mal desgarradas da pena,
cada pequena curva
tatua as idéias na superfície ácida.
Isso imagino,
se te vejo debruçado
sobre a mesa o penhasco
olho anoitecido
despencando no hiato convulso das ventanias.
Isso enquanto imprimo
os teus Hinos à Noite
nestas folhas ordinárias,
palavra por palavra coagulando
na brancura infinita, saídas
da boca da máquina
como uma carta pela fenda da porta,
duzentos anos mais tarde e
úmidas, ainda.


***

Desprego as estrelas,
deixo que elas
rolem céu abaixo
soltas do seu facho
frio, iridescente,
ricochete rente
ao chão adormecido.
cobres,
estrelas de pobre, moedas que dobram
na queda, oco metal.
O mesmo que falta
às nossas mais altas
intenções, e nos deixa
(é sempre a mesma queixa)
nesse vai-da-valsa:
com as mãos repletas
de palavras certas, de moedas falsas.


***

há uma prata indecisa na copa destas árvores
há um lalique que - diáfano - cola às asas
da borboleta
há um grilo que retine
sílabas
às estrelas


***

gualde amarelo amarelo andante em verde
partitura oscilante das flores          o vento
(ralento até o silêncio)
mas ouça: na lousa da noite
os grilos vão deixando reticências

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