quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

TRÊS POEMAS DE JOYCE MANSOUR

O APELO AMARGO DE UM SOLUÇO

Venham mulheres de seios febris
Escutar em silêncio o grito da víbora
E sondar comigo o baixo nevoeiro ruivo
Que infla de súbito a voz do amigo
O rio é fresco em torno do corpo dele
Sua camisa flutua branca como o fim de um discurso
No ar substancial avaro de conchas
Inclinem-se moças intempestivas
Abandonem seus pensamentos de chapeuzinho
Suas imbecis molhadelas suas botas rápidas
Um redemoinho se produziu na vegetação
E o homem se afogou no licor

* * *

Queimar incenso na quietude de um quarto
Longe atrás dos recifes de uma jornada climática
Seguir longas caudas de negro vestidas
Nos cemitérios onde dormem os anos passados
Chorar mortos que florescem como presuntos
de Parma
Cavar sulcos rugosos nos campos
Furar o olho estagnante da noite
Beijar o pé de um papa alpinista
Ou lamber o óleo que escorre dos ídolos doloridos
Com excesso de carícias
Tudo isso me fatiga
Me exaspera

Nada vale uma boa dose de raiva
Para partir
Pois o pé cria o caminho desgasta a rocha
E derruba o totem que titubeia
No medo tropical das igrejas
É preciso afogar o galo em seu nascimento
Impedir os cegos de conduzir o trem
As pradarias da morte borboleteantes de papéis grassos
Margeiam nossos sonhos com seus altos gritos
Razão a mais para rir


AZUL COMO O DESERTO

Felizes os solitários
Os que semeiam o céu na areia ávida
Os que buscam tudo elemento vivo sob as saias as saias do vento
Os que correm ofegantes depois de um sonho evaporado
Pois são o sal da terra
Felizes as vigias sobre o oceano do deserto
As que perseguem o feneco* muito além da miragem
O sol alado perde suas plumas no horizonte
O eterno estio ri da tumba úmida
E se um grande grito ressoa nas rochas acamadas
Ninguém o ouve ninguém
O deserto uiva sempre sob um céu impávido
O olho fixo plaina só
Como a águia no despontar do dia
A morte engole o orvalho
A serpente sufoca o rato
O nômade sob sua tenda escuta o tempo ranger
Sobre o cascalho da insônia
Tudo está lá na espera de uma palavra já enunciada
Alhures

Tradução: Éclair Antonio Almeida Filho

Poemas do livro Gritos rasgos e rapinas, de Joyce Mansour, com tradução de Eclair Antonio Almeida Filho e publicado recentemente pela Lumme Editor.

2 comentários:

  1. Não conheço nenhum poema dela meio água com açúcar. Sempre muito interessante.

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  2. Anônimo2.12.11

    Tocada com a leitura, Claudio.

    Mais um nome que conheço por aqui.

    (Os primeiros versos me remetem ao teu estilo!)

    Beijos.

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