quarta-feira, 2 de março de 2011

UMA ENTREVISTA COM HORÁCIO COSTA


Zunái: Você organizou o evento Em Mar Aberto: Poesia em português e nas línguas da Espanha. Um diálogo histórico, uma futura aliança? Fale a respeito da proposta desse encontro, a começar pela escolha do nome, e de seus resultados, nos anos posteriores, para o intercâmbio internacional.

Horácio: Este evento respondeu a uma curiosidade minha, de ordem puramente intelectual: na Península Ibérica, Portugal foi, até o Iluminismo, um grande receptáculo dos conteúdos literários espanhóis, não se podendo dizer o contrário. Certo: Jorge de Montemor escreveu A Diana e ficou conhecido como Jorge de Montemayor; Gil Vicente é estudado em sua produção teatral em espanhol nos curricula hispanos, e alguns escritores portugueses foram e são muito influentes a partir de sua tradução ao espanhol, na Espanha e na América Latina, e.g. Pessoa e Saramago, na época contemporânea. Entretanto, não se comparam, esses nomes isolados, com o efeito das letras espanholas sobre a literatura portuguesa: aí está, por exemplo, Gôngora, cuja presença chegou a ameaçar a do próprio Camões em Portugal, como eu já escrevi em um ensaio publicado em Mar Aberto. Ora bem, esse padrão atravessou o Atlântico e se instalou no regime de leituras entre hispano-americanos e brasileiros: nós os lemos, no original ou em tradução, bem mais do eles a nós, em termos históricos. Todo mundo já leu Vargas Llosa e García Márquez, por exemplo, mas poucos vizinhos leram Lispector ou Guimarães Rosa, e quando e se, via de regra, que tem as suas exceções, em tradução, embora todo hispano-americano culto já tenha lido o panteão dos nossos poetas modernos.

Entretanto, esse padrão está mudando e responde a uma muito maior presença do Brasil no contexto internacional, regional e inter-ibérico. Há uma muito maior curiosidade sobre o Brasil hoje do que antes, e essa é uma tendência de futuro. Ora bem, com a maior concentração numérica e com a decorrente maior visibilidade da literatura que se escreve em português em terras americanas, como será a nossa convivência com os povos que se expressam em espanhol? O padrão histórico continuará? Foi essa pergunta que me fez pensar em reunir em São Paulo representantes das minorias linguístico-literárias espanholas, para abrir um diálogo com o português que nós cultivamos. Não consegui atrair a atenção de portugueses para que dele participassem. O que me fez pensar que cada vez mais a promoção e a inserção de novos conteúdos na política internacional da língua portuguesa e das literaturas que nela se escrevem, tal como esse diálogo preciso, deverá partir e ser sustentado por nós.

Em Washington, há três anos, apresentei um trabalho sobre esses tópicos, A lusofonia y los vecinos, e o debate com o qual me envolvi com os representantes do governo português corroborou o que acabo de dizer. Continua a parecer-me uma vergonha que nos dias que correm Portugal se dedique a abrir leitorados na Ásia Central, por exemplo, e não se empenhe em procurar uma política unitária com o Brasil e a África de expressão portuguesa, tanto quanto me parece patético que o Brasil não disponha até hoje de um organismo de Estado para promover a nossa cultura no exterior, à imagem do que acontece com a própria Espanha, com o Cervantes, Portugal, com o Camões, a Alemanha, com o Goethe, a França, com a Aliança, e assim por diante. Com a quantidade de tramoias que acontecem em Brasília, como explicar que não tenha havido ninguém que propusesse, no nosso caríssimo e ineficiente Legislativo, ou mesmo como uma iniciativa do Itamaraty, a criação de uma autarquia com esse perfil? isso revela uma mentalidade provinciana e isolacionista, que contradiz o discurso oficial do "Brasil potência".

Essas minhas opiniões e a organização de um evento como o que vc menciona, e que seguem os anteriores, traduzem o viés mais político na minha obra. Cada vez mais creio que a atividade do poeta implica em tomadas de posição que tais, publicamente. Tenho poucos leitores e menos críticos, e sei que minha obra não é exatamente popular, nem aqui nem na Cochinchina. Mas não abdico de tornar públicas as minhas opiniões. Que tenham reflexo sobre a realidade é outra história. Mas eu sou um poeta na e da cidade. Por falar nisso, quero terminar esta nossa re-entrevista com a menção do meu engajamento com a temática da diversidade (homo) sexual. Fui presidente da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura-ABEH, no biênio 2008-10, e o congresso que organizei na USP há dois anos e alguns meses, com quase 500 inscritos, foi excepcional. Recentemente saiu o volume Retratos do Brasil Homossexual, organizado por mim e pelos membros da diretoria naquele biênio, publicado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e pela EDUSP. São quase 1300 páginas de ensaios, um terço dos quais publicadas no livro e dois terços no CD que o acompanha. Para mim, a experiência de militar por uma causa importante, para lá da militância que a escritura de poesia em si implica, tornou-se uma faceta importante de minha obra como poeta-cidadão. Sou membro do comitê intersecretarial para a implantação de políticas públicas para assuntos da diversidade sexual, e tivemos muitas reuniões e fizemos um trabalho conjunto de sugestão de várias medidas ao governador do Estado, muitas das quais já vigoram sob forma de decreto lei do executivo paulista. Em resumo: não acho incompatível essa atividade política com o escrever poesia. Curioso que parece que sou o primeiro poeta assumidamente homossexual na dita alta poesia brasileira a se envolver politicamente nessa luta. O tema homossexualidade ainda é ignorado nos estudos de poesia no Brasil e até o Roberto Piva, ninguém que tivesse assumido a sua voz homossexual em alto e bom som. Vamos com um atraso enorme com relação a países semelhantes ao nosso, como vários dos hispanos e o mesmo Portugal. Militar por esses estudos e escrever com o registro homossexual é um serviço que sinto fazer para a ampliação e a modernização -não gosto da palavra, mas enfim - da palavra poética no Brasil.

Zunái: Quais são os teus projetos atuais? Você está organizando um novo livro de poemas?

Horácio: Continuar escrevendo poesia. Continuar ensinando na USP. Continuar viajando quando convidado. Ser amigo dos meus amigos. Votar pouco e bem. Ter uma existência doméstica em princípio sã. Beber menos e nadar mais. E, se der para publicar, muito bem. Tenho um livro novo de poemas sim, mas está longo demais, devo cortá-lo numa terça parte pelo menos. O que quer dizer que ainda não está pronto. Mas já tem título: Ciclópico Olho.
Leia a entrevista na íntegra na próxima edição da Zunái.

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