quarta-feira, 19 de agosto de 2009

ANTOLOGIA ALEATÓRIA (IX)


TRÓIA

Toda saudade
repousa nas palavras,
tem cheiro de pinho
e ossos muito brancos.
Toda saudade:
velas arriadas
dos mastros dos batéis,
última visão da chama apagando,
canção de helenas nuas
perdida nos lábios de Ílion.
Em tudo,
o teu nome de pedra,
Saudade,
cadela morta.


ARRECIFE

Desse ponto
partem distâncias imaginárias
que contam
das reais distâncias entre nós.
Um homem posto
à frente de uma janela
é o fantasma de si mesmo
suspenso por linhas
e cores improváveis.
Somos ele
e ele é todos nós
como se não fôssemos
(ainda)
a cidade
em seu entorno.
Somos ele
e seus ombros caídos.
Somos ele
e seu rosto roído pelos peixes.
Somos ele
e as ruas estreitas
que o cortam
e que nele se empalam
como postes
travas
e outras saudades sem sentido
(como qualquer outra saudade).
Uma estátua
observa
a constelação das águas.
Sua roupa cinza
se agita
e veste por um instante
a pele nua do rio.
O homem se agita
e com ele
a cidade costurada
em nossas carnes.
Tudo cabe num selo
ou num trago de cigarro.
Tudo cabe no verde
mais próximo do branco.
Tudo brada:
relógio ensadecido.
Somos o real
e nada somos.
E isso é tudo.

(Poemas de Micheliny Verunschk, do livro inédito Cartografia da Noite.)

2 comentários:

  1. Toda vez que leio poemas assim, me dá certa nostalgia, como se devesse ter escrito antes. Mas é pura doideira, concordo. É uma saudade da beleza que não tinha visto ainda.

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