segunda-feira, 9 de março de 2009

UM POEMA DE IZABELA LEAL

MARROCOS OU ALÉM

W. L. sempre chegava à noite, depois de ter matado baratas

ele precisava escrever o acúmulo sombrio dos devaneios
noturnos, os vazios desproporcionais entre a realidade e o
fora

sua mulher o beijava e o pó resplandecia na boca, ela
desabotoava a blusa, o hálito entrelaçado aos odores da rua

era preciso matá-la

e o médico, um certo doutor B., abria portas janelas
corredores oblíquos onde se morre aos poucos com o veneno
agudo das lacraias

talvez ele devesse partir para Tanger, estremecer os ossos nos
ruídos distantes em meio aos ávidos olhos mouriscos
ou permanecer de pé enquanto o mal se misturava ao sangue

as palavras infestavam seus ouvidos, ele já estava tão distante

a trama do mundo se esgarçava, alguém havia puxado um fio
em alguma parte do universo

ele procurava sua clark nova

e sabia

sabia que o assassinato era uma alucinação na rotina, um
espasmo entre as fibras da memória, uma contração nos
molares

era preciso escrever ou permanecer para sempre em interzona

2 comentários:

  1. Ontem mesmo li alguns "poemas-conto" da Izabela na Germina. Gostei demais. Quero conhecer mais do trabalho dela.
    parabéns, Izabela & Claudio

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  2. Izabela escreve coisas belíssimas e, melhor, únicas.

    Beijos, CD!

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