sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

DÉCIMA PRIMEIRA CANÇÃO IMPRONUNCIÁVEL

 










Para Reynaldo Jimènez

 

Tão imensamente tudo

(ou quase).

Amor (é)

onde

cérberos

devoram

cérberos:

flores

brancas (da lua)

apodrecem

(em jade)

sombras

de mono-

carvoeiros.

Seria talvez

canção:

firula ou nada:

(apodrecem

em jade)

(mordem a

si

mesmos)

flores brancas (da lua)

enquanto

um anão

(albino)

come palavras

num

banco

de jardim:

come

aparina

clívia

prímula

flange

calicanto

e outras palavras

fúteis.

(Seria talvez

canção?)

Um cadáver

foi ao banco

(flores brancas)

(da lua)

(apodrecem

em jade)

e pediu

duas vezes

a mesma

esmola.

Ratos democratas

mordem ratos

republicanos

numa piscina

de merda

(seria canção?)

enquanto

mono-carvoeiros

fodem (com fúria)

numa árvore

e não há mais nada

a dizer.



Poema inédito de Claudio Daniel, 2024. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

SÉTIMA CANCÃO IMPRONUNCIÁVEL

 


VII

 Soft as the massacre of Suns

By Eevening’s Sabres slain.

Emily Dickinson

 

Um filósofo faminto é como um poeta que come nacos de nuvem.

 

Observa espelhos coelhos, limbos, cabeças de alfinete ou folhas secas

de outono com seus grandes olhos de sépia e bebe a angústia-gagueira

no gargalo da garrafa sem nada.

 

Conta os dedos de suas mãos pares e ímpares e pensa:

 

“Eu não estou louco,  eu não estou louco” e imagina ao seu lado

Cabeça de Rato

Rolo de Corda

Treme Terra

(amigos da penitenciária não mais vivendo entre os vivos, mortos-vivos

ou quase).

 

“Estou aqui por engano”, dizia a si mesmo o filósofo com fome:

 

“Eu não bombardeei Beirute, nem tenho amigos árabes ou judeus; não hasteei a bandeira nazista em Kiev nem cometi o atentado terrorista nas ruas de Caracas”, dizia o filósofo sem filosofia.

 

“Venho de uma minúscula ilha do continente africano, um lugar sem nome, deslocado do mapa mundi, e tudo o que sei é afinar as cordas de violoncelos.”

 

“Por que estou recluso aqui, nesse portal sem portões, nesse cubículo onde desmortos atormentam os meus pesadelos com choques elétricos na genitália e cassetetes?”

 

“Não há anjos aqui, nem anjos brancos, nem anjos negros, ou mesmo descoloridos, nessa prisão escura em que vivo por anos e anos de miséria.”

 

CODA: Esta é a confissão do filósofo com fome, que por conta e risco imaginou outros mundos possíveis. Esqueletos dançam em sua mente, esqueletos, cavalos, rabinos ensandecidos que pisoteiam, em sonhos, suas clavículas, suas omoplatas até transformá-las em um punhado branco de pó. O que mais haveria a dizer sobre ele? Não sabemos seu nome, idade, estado civil, número de identidade ou outras minúcias descarnadas do rio da vida; se ele viveu num cortiço inundado por águas lamacentas se ele tinha um cão que morreu afogado se o seu colchão rangia à noite, perturbando seus nervos ou se ele bateu carteiras e roubou relógios na Praça da Sé. Tudo o que sabemos sobre ele é que será executado com uma bala na nuca antes de completar trinta anos de idade. 

Esta é a história de Cabeza de Serpiente Emplumada e nada mais sabemos a seu respeito.

 

2024

 

 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

CANÇÃO IMPRONUNCIÁVEL V

 












Why is the name changed

Gertrude Stein

 

A memória é um verme

que rói a carne

e as sombras.

 

É sempre

a extrema

cicatriz;

 

mundo

desmundo

 

sempre

a excessiva

 

intensidade

da voz.

 

* **

 

Luz, ou

reflexo

do inferno?

 

Lilabi, biéli lilabi azel miol gliá luvi.

 

* **

 

Acende

palavras

num tempo

de esqueletos.

 

Que sentido

nessa

irrisão?

Só desertos

dentro.

 

* **

 

Pele

é um livro

escrito

 

em língua

de sombra.

 

Cada palavra

um seco

urro.

 

Lilabi, biéli lilabi azel miol gliá luvi.

 

* **

 

Este

é tempo

de esqueletos;

tempo

de crianças

queimadas.

 

Sua história

é contada

no Livro

da Carne.

 

* **

 

O dedo

do vento

vira as páginas

 

do livro

e a história

se desfaz.

 

Como os fios

da tenda

árabe

incinerada

por bombas

de fósforo

branco.

 

* **

 

A história se derrama

como um rio

que transborda.

 

* **

 

(A Casa Branca

dinamitada

por rebeldes

de outro Oriente.)

 

* **

 

(A cabeça

de Elon Musk

pendurada

em um poste.)

 

* **

 

A memória é um verme

que rói a carne

e as sombras

intermitentemente.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

RISO, RAIO, TRAVESSIA

 









(Cadáver delicado)

 

FloresLambemFogo de Marte aquecem  nossos horizontes de  um azul cloro de piscina amarelo cinza e prata esverdeado.

 

O arco- íris das opalinas abraça horizonte. Vítreas  úveas  avistam   lápis- lázulis celestes sobre grande mar : veredas

 

Excretam-se poemas

em náuseas estonteantes

contrações uterinas                                  

o êxtase mãe-terra.  

 

Da vida que dói                

verso marginal.             

estrofe  interna.                 

rima incerta.                      

vulva pulsante.

 

É o amor. Crescem as paredes catóptricas de seu cárcere. De nada me servirão os xamãs, o aprendizado da poiesis, meu pequeno astrolábio, e o último grito de Zaratrustra.

 

Pedras sob o mar

alimento de peixes

medonhos loucos

da memória de voar.

 

O olhar rubro-fogo 
tranças chovidas nos ombros
narinas em labaredas
pronto para um beijo.

 

A lua perdida no escuro. Soturna é a tristeza dos satélites em débeis novelos
pulsando crateras.

 

Colhe-me no desvão das horas porque o resto é caos.

 

Racha rocha nunca sonho
cada som volteio casa
Rose Rosa sempre Rosa
tanto tudo tonto nada.

 

Nas brenhas de um silêncio tão voraz.

 

Mergulho de ponta-cabeça

 

Na cabeça  solitária, crescem musgos

 heras selvagens saem dos ouvidos e se banham no lago

a língua toca vulvas que se abrem para a floresta densa

nela, formigas fazem suas travessias de chuvas

 

O azulejo amargo

O verde já desbotado

Lá vem menos um

 

Corpos que também se engolem.

 

Riso, raio, travessia

estrela ao meio dia

chove no esmalte

manicure liberta cutícula.

 

Matéria escura e crua nos jardins.

 

(Cadáver delicado do qual participaram os poetas e escritores Jorge Amâncio, Márcia Tigani, Sílvia Pereira, Noélia Ribeiro, Paulo Marcelino, Beth Guedes, Isadora Salazar, Edir Pina de Barros, Isa Corgosinho, Márcia Frigg, Sidnei Olívio, Marli Fróes, Nara Fontes, Maria Marta Nardi, Lucas Nogueira e Liana Timm)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

SRI CHAITANYA MAHAPRABHU

 


 









 

Meu Senhor de Olhos de Lótus

é mais belo

do que as águas

do rio Yamuna;

é tão belo

que atrai a Si mesmo

com a Sua beleza

o mais belo

de todos os belos;

Tua sombra

é mais misteriosa

do que as águas

do rio Ganges;

Oh Senhor de Pele Dourada

que Se conhece

e Se desconhece

ao mesmo tempo;

infinito como o azul-

azulino-azuláceo

das águas

do lago Radha-Kunda.

Oh Senhor de Todos as Águas.

Ele brinca com serpentes

e dança com tigres

cantando os santos nomes

de Krishna e Radha.

Mesmo os pássaros, abelhas e tolos

seguem os Seus passos;

grous e cisnes cantam para Ele

nas águas de todos os rios.

O mais sábio de todos os sábios

dança, dança feito um louco

cantando os nomes de Krishna

cantando os nomes de Radha.

Ele, o pregador compassivo

chamou a Si os mais decaídos

os mais desafortunados

de todos os lazarentos

sempre cantando, sempre cantando

os nomes de Krishna

os nomes de Radha.

Disse o Senhor Chaitanya:

seja mais tolerante do que a árvore

seja mais humilde do que a grama

sempre cantando, sempre cantando

os nomes de Krishna

os nomes de Radha.

 

(Poema inédito de Claudio Daniel, 2024)

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

DÉCIMA SEGUNDA CANÇÃO IMPRONUNCIÁVEL

 

Árvores corcundas

em um jardim

de escuros.

Onde os dedos;

não, onde os olhos;

não, onde os lábios;

não, onde o onde

sereias ou morteiros

bruxas desenterradas

ou jaspeados cogumelos.

Tatuagem esse indistinto

idioma desconexo;

nauri nauri nauen nauá

nauri nauri nauen nauá

medos meio mortos

ou não, medos dedos

num monólogo a duas

vozes; a três vozes;

a quatro ou nenhuma.

Hidra, melro, drone, apicum:

qual é a minha voz?

Tatuagem esse indistinto

idioma, desconexo;

nauri nauri nauen nauá

nauri nauri nauen nauá

qual é a minha voz?

Favos, grânulos, aroeira

aroeira, aroeira, erva-picão.

A palavra: corte, incisão

non sense? Qual é a minha

língua? Qual é o meu eu?

O que eu sei:

Pato Donald foi a Cuba

cansado do American Reich

e abriu um pequeno comércio

de tralhas e bugigangas

na Praça da Revolução.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024

TERCEIRA CANÇÃO IMPRONUNCIÁAVEL

 

Penso em teu sexo

em tua caveira aberta

repousada na mão esquerda

de um paleontólogo louco.

Penso em tuas pernas abertas

mais claras ou mais escuras

do que em todos os mundos possíveis.

Penso com o corpo, a mente

os testículos, o esqueleto

com meus olhos que crocitam como corvos.

O Homem Mais Velho do Mundo

encontrou-me numa ponte de pedra

e disse a mais terrível de todas as palavras:

amor.

Por que estas flores cobertas de sombras

e esquadros?

Por que estas flores cobertas de peles

de homens queimados?

Aqui nós estamos em um longo poço sem fundo

e apesar de tudo nós dançamos.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024 

PRIMEIRA CANÇÃO IMPRONUNCIÁVEL

 

Para Horácio Costa

 

Eu morei muito tempo em uma casa estranha

casa-coruja, casa-caracol

casa-ouriço-do-mar

situada  a dois passos

do beco-do-nunca-visto

perto do parque da caveira

onde os relógios são mudos.

Lá, onde os ventos são vidro

e as pedras podem ser palavras

que podem ser estrelas

que podem ser os gritos de um surdo.

No Salão da Afetividade

nesta casa-coruja, casa-caracol

casa-ouriço-do-mar

viveiros de orquídeas, azaleias, damas-da-noite

servem de cenário para o retrato

em que a mulher de pele dourada

exibe os seus três seios.

Em cada mamilo, uma argola de prata.

Em seus tornozelos, correntinhas de prata.

Em seu umbigo, um anel de prata.

Senhora da prata

senhora de mim, senhora do alfenim.

No Salão da Invisibilidade

nesta casa-coruja, casa-caracol

casa-ouriço-do-mar

escrevi poemas para ninguém

escritos com a tinta de pequenas mortes

em páginas oceânicas do asperamente.

Poemas com o aroma do sal marinho

do mar noturno de São Salvador.

No Salão da Imparcialidade

nesta casa-coruja, casa-caracol

casa-ouriço-do-mar

ficaram as minhas coleções

de pensamentos rotos, adágios

provérbios, alumbramentos

sentenças de oradores romanos

 e mestres de sânscrito

que visitei nas horas de agonia

em busca de algo que me aliviasse

da simples dor do existir.

Esta casa estranha em que morei

e que ainda está em mim

casa-coruja, casa-caracol

casa-ouriço-do-mar

situa-se numa cidade sobreposta

a outra cidade

que flutua no escuro

de outra cidade

numa região inabitável

onde talvez encontrareis meu nome

essa abstração em que disfarço

(talvez) a mera inexistência.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024

PALO DE LA LUNA

 












Existes tão fundo em mim

Lobo Antunes

 

Ojos de mi amor

ojos que se multiplican

como olas y pájaros

 

Manos de mi amor:

manos interminables

en mis cabelos

 

Senos de mi amor:

senos incomprensibles

hacia el más allá de mí.

 

Bailaora de la luna

danza en mi cuerpo

con su colar de peces.

 

Bailaora de la luna 

danza en mi cuerpo

con su cinturón de luces.

 

Amor de la noche marina

cuya boca es mi laberinto.

Amor de la noche marina

 

cuya piel es mi único jardín.

 

Sólo existe el palo

que nace de tus pies.

 

Sólo existe el palo

de tus pies em mi boca.

 

Sólo existe la noche

de tu lengua en la mía.

 

Ojos de mi amor:

ojos que se multiplican

en las manos, pies y senos.

 

Manos de mi amor:

manos interminables

como la danza de la luna.

 

Senos de mi amor:

senos incomprensibles

de mi sed infinita.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024