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VII
Soft as the massacre of
Suns
By Eevening’s Sabres
slain.
Emily Dickinson
Um filósofo faminto é
como um poeta que come nacos de nuvem.
Observa espelhos coelhos,
limbos, cabeças de alfinete ou folhas secas
de outono com seus
grandes olhos de sépia e bebe a angústia-gagueira
no gargalo da garrafa sem
nada.
Conta os dedos de suas
mãos pares e ímpares e pensa:
“Eu não estou
louco, eu não estou louco” e imagina ao seu lado
Cabeça de Rato
Rolo de Corda
Treme Terra
(amigos da penitenciária
não mais vivendo entre os vivos, mortos-vivos
ou quase).
“Estou aqui por engano”,
dizia a si mesmo o filósofo com fome:
“Eu não bombardeei
Beirute, nem tenho amigos árabes ou judeus; não hasteei a bandeira nazista em
Kiev nem cometi o atentado terrorista nas ruas de Caracas”, dizia o filósofo
sem filosofia.
“Venho de uma minúscula
ilha do continente africano, um lugar sem nome, deslocado do mapa mundi, e tudo
o que sei é afinar as cordas de violoncelos.”
“Por que estou recluso
aqui, nesse portal sem portões, nesse cubículo onde desmortos atormentam os
meus pesadelos com choques elétricos na genitália e cassetetes?”
“Não há anjos aqui, nem
anjos brancos, nem anjos negros, ou mesmo descoloridos, nessa prisão escura em
que vivo por anos e anos de miséria.”
CODA: Esta é a confissão
do filósofo com fome, que por conta e risco imaginou outros mundos possíveis.
Esqueletos dançam em sua mente, esqueletos, cavalos, rabinos ensandecidos que
pisoteiam, em sonhos, suas clavículas, suas omoplatas até transformá-las em um
punhado branco de pó. O que mais haveria a dizer sobre ele? Não sabemos seu
nome, idade, estado civil, número de identidade ou outras minúcias descarnadas
do rio da vida; se ele viveu num cortiço inundado por águas lamacentas se ele
tinha um cão que morreu afogado se o seu colchão rangia à noite, perturbando
seus nervos ou se ele bateu carteiras e roubou relógios na Praça da Sé. Tudo o
que sabemos sobre ele é que será executado com uma bala na nuca antes de
completar trinta anos de idade.
Esta é a história de
Cabeza de Serpiente Emplumada e nada mais sabemos a seu respeito.
2024