quarta-feira, 28 de julho de 2021

PRIMEIRO OLHO



 









Água escura,

excessiva, cai

sobre cabeças de alfinete;

somos minúsculos pontos

borrados, quase invisíveis.

Ruídos esfiapados de metais

somam–se aos gritos

estilhaçados da noite.

Caminhamos dessa rua

a outra rua, entre dedos

de árvores e mariposas

epidérmicas, mas nada vemos:

nem as flores das ameixeiras,

nem os fios estorricados;

estamos cegos, talvez meio mortos,

como diabos frios no redemoinho.

Quando amanhece, mundo

recém-criado e mudo,

o olho curvo do pesadelo

mira espectros quase nus

roendo restos de ossos

na porta do açougue.

Xangô Oluaxô,

venha com seu machado

de duplo gume.


Claudio Daniel, julho / 2021


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