MELANCOLIA
Melancolia:
é a casa dos
mortos?
ouvem-se vozes
e um grito
não é um grito:
é uma explosão de
sussurros.
O ANJO
Uma pedra na mão
uma palavra-pedra
uma palavra fria
aguardavas a chave
não era
o que ele trazia.
ANUNCIAÇÕES
Nem sempre virão
de branco
os mortos que
acompanham.
Por vezes virão de
treva
envoltos nessa
bruma
que primeiro os
esconde
e depois os
revela.
(Do livro Entre silêncios. Lisboa: Pedra Formosa
Edições, 1997)
AS NORNAS
(Ouvindo Wagner)
Cantam as
tecedeiras
enquanto tecem os
fios:
uma dá, a outra
puxa,
a última esconde o
desenho
e com a tesoura de
prara
corta o fio do
destino.
PEDRAS
Não quero a Pedra
quero a flor
dentro dela
PAUL CELAN
I
Cultivemos a
planta
do silêncio
negro-musgo
dizer o nome
é perturbar o somo
deixemo-lo
que se afunde
nas suas águas
paradas
II
O destino:
essa flor que se
abre
raiz plantada
no ar
III
O amor é uma
travessia?
O amor é um
afundamento.
IV
Quantos poemas
para salvar o dia
quantos poemas
para salvar a vida
PAUL CELAN, PARA SEMPRE
Escolheste a água
de cabelos lisos
como os da tua mãe
escolheste a água
de peixes
cintilantes
como as cinzas do
céu
que outrora tinha
visto
escolheste a água
porque abafava os
sustos
e os gritos
MULHERES
(fragmento)
III
Não são casas
são caixas
Não são caixas
são coisas
Não são coisas
são fugas
Voa-se pelas
escadas
voa-se com os
telhados
até às brancas
estrelas
da memória
à dança vermelha
das papoulas
o grito do violino
o negro bater
do sangue
do coração
A HERBERTO HELDER
(ao ler A faca não corta o fogo)
Essa faca
não corta o fogo
mas corta o
coração da pedra
florescendo em
palavras-pétalas
de ouro
(eu disse ouro?
queria dizer
brasa
carvão em brasa
ardendo na
fornalha)
e corta a veia
no fio do
horizonte
deixando ver um
sangue
delicado
voz abafada
grito nascendo
dessa faca
no fogo
desse corpo
(eu disse corpo?
queria dizer treva
Ungrund
buraco negro da
alma
ferida
mortalmente)
SOMBRAS
É a Sombra
das sombras
vagueia
pelo jardim
perde-se
nos labirintos
afoga-se
nos lagos
esconde-se
nos corredores
de bambu
escapa-se
pela ponte
que não une
antes separa
as pedras
do templo
e do palácio
(Do livro Outonais. Lisboa, 2011 )
Yvette Centeno, poeta, ensaísta, dramaturga, romancista e tradutora portuguesa,
nasceu em Lisboa, em 1940, filha de pai português e mãe polonesa. É uma das
principais escritoras e intelectuais de Portugal hoje, especialista na obra de
Fernando Pessoa, e pesquisa temas relacionados com a maçonaria e o hermetismo.
Sua tese de doutorado é sobre A alquimia
no Fausto de Goethe e a autora criou o Gabinete de Estudos de Simbologia da
Universidade Nova de Lisboa, onde leciona. Como tradutora, verteu para o
português obras de Goethe, Stendhal, Shakespeare, Brecht e Celan, entre outros.
A obra publicada de Yvette Centeno inclui romances como No jardim das nogueiras (1982), peças teatrais -- Saudades do paraíso (1980), Será Deus o dr. Freud? (1995), ensaios –
Fernando Pessoa: tempo, solidão,
hermetismo (1978), A utopia: mitos e
Formas (1994), coletâneas de poesia, como A Oriente (1998) e
traduções de autores como Bertolt Brecht e Paul Celan. A autora mantém o blog Simbologia e alquimia (http://simbologiaealquimia.blogspot.com.br/), onde publica
regularmente textos sobre literatura, mística e psicanálise.
Nenhum comentário:
Postar um comentário