sexta-feira, 24 de maio de 2013

UM POEMA DE MARCELI ANDRESA BECKER


DAS IRMÃS


I


1

o fogo.


erguer-se dos desfiladeiros,

o corpo —


como se as partituras regressassem ao mistério

das mãos.


à quiromancia dos chamados.


2


boca, comei este pão e tomai este vinho anti-horário.

girai as fabulosas torneiras da vascularidade,

a cabeça exorcista da pequena regan,


180 graus


de febre: este é o meu corpo e este é o meu sangue.



II

por vezes minhas unhas crescem

mais que o habitual.


lembram as unhas dos mortos:

inoxidáveis —


ganchos onde eu poderia pendurar


tuas vísceras,

(o peso),


levá-las de lá para cá,

(o amor),


como uma espécie de açougue

ambulante.


sabes, sou assim.


tenho sonhos em que me transformo

em lady zumbi.


*


para cada homem deus ofertou um pedaço fálico

de sua ausência.


tu és um deles: não perdoo.


III


regressam à mansão com lamparinas gravitando

em torno da cabeça.


eixo dos satélites do fogo, da suprema

incandescência,


elas: minhas irmãs mortas, gravitando em torno de seus nomes vazios.

como se fossem dizê-los.


*


a luz se despede do sangue.


as minhocas descem para aquele continente

onde o silêncio se avoluma


e produz ecos.


*


"perdoa-nos", suplicam.

  
IV
  
queimam-se as pontas

dos cabelos.


o dossel se abre como as manhãs ou um pássaro enorme.


*

 é ela, a irmã que ama.

a irmã louca.


em algum lugar da última palavra que dirá

o vento devasta omoplatas


e fêmures.


um par de rosas brota nas órbitas

de sua caveira.


*


conheço homens que podem suspendê-la da vida e da morte

com seus guindastes, o canto.


os lábios oníricos.


*
  
prendem-na às cordas furiosas.

giram as roldanas de seu corpo.


puxam-na para o alto, para o alto — eternamente.

  
V

fala-se no espírito de uma mendiga.


somente os sexos conseguem

psicografá-lo.


*


fala-se num vale onde os mortos sobem em pernas de pau

e atingem alturas inconcebíveis.


a mediunidade paira sobre suas cabeças:

o enxame de moscas.


*


é tão triste apodrecer.


*


o pão se entrega à sarna noturna.

a fome se entrega à fome.


*

 minhas irmãs não suportam se ver nuas.


VI


gestos da criança que ela não teve se espalham pelo jardim

como uma missa de cinzas.


juntam-se à neblina.


*

 às cinco e meia, precisamente, os sinos da melancolia

fulminam a torre.


(nas cordas, as mãos frias

da irmã.)
  
*
  
ouvem-se suas badaladas

por toda a terra.

  
VII

ninguém pelos corredores a partir das nove

(regras de funcionamento):


o piso em madeira não absorve o impacto do caminhar.


seria impossível dormir com as noviças indo

e voltando do banheiro,


seus chinelinhos tristes,

suas camisolas de chorar pétalas.

 *
  
a ventania abre uma segunda noite entre as folhas do hinário, na mesa da sala.

já nos respectivos quartos, elas abrem as pernas

e se tocam longamente.


 VIII

lounge, lira. fertilização ao modo psytrance. minhas irmãs se dopam com as três partes do segredo de fátima e gargalham.

(um abutre vesgo enrodilha as pick-ups.)

*

não se sabe exatamente quantas há.

você vê larvas de procedência rara saindo do umbigo do poema. lounge, lira,
três vezes autópsia:

psy, psy, psycadáver de fátima.

*

litros de loção e cera depilatória descem pelas ruas de ibiza.
elas se ajoelham e oram.


 IX

não levantarás

não estarás vivo

para ver


meu sexo descende da hélice anti-horária, a palavra de judas

o meu e o das irmãs


sei que um dia esses sexos girarão infinitamente

e nós subiremos com o peso


todo o peso do mundo

inclusive o teu

inclusive o teu


tuas pernas de coliseu elétrico

tua outra artilharia

de senhas


as 33 vozes que nasceram e se puseram como um sol

nos teus cabelos


este será o dia, amor

o único dia que terá havido sobre a terra


não levantarás

estarás morto

2 comentários:

  1. um dos poemas mais lindos dos últimos anos. aliás, entre outros da mar becker

    ResponderExcluir
  2. Coisa mais linda, me levou às lágrimas...

    ResponderExcluir