terça-feira, 31 de maio de 2011

POEMAS AMERÍNDIOS (I)

POEMAS ASTECAS

Não acabarão nunca as minhas flores, não acabarão os meus cantos.
Eu, cantor, levanto-os,
e eles espalham-se,
são flores que murcham e amarelecem
e são levadas para longe, para a dourada mansão das plumas.

*
Já amadurecem as flores: troquem-se por roupagens e jóias,
Ó príncipes: mostram o rosto luminoso, irradiam;
só na primavera colho a flor amarela.
Já amadureceram as flores nas faldas da montanha!

*
Até o jade se parte,
até o ouro se dobra,
até a plumagem de quetzal se despedaça...
Não se vive para sempre na terra!
Duramos apenas um instante!

*
Que não vão em vão!
Agarra o teu escudo: cântaro de água florida!
Teu pequeno jarro de asa,
já está de pé teu cântaro precioso cor de obsidiana,
com ele aos ombros levaremos a água,
vamos levá-la até longe, ao México,
daqui, das margens do lago.

Que não vão em vão,
filhos da água!
Faço correr a água,
oh, vamos todos!,
aos ombros levaremos a água,
vamos levá-la!

Ainda não amanhece.
Levantamos a nossa carga de água:
límpida, preciosa, cor de turquesa,
água que se move e ondeia.
Aproximem-se do lugar dos cântaros,
não vão em vão!

Talvez ainda esteja rumorejando,
talvez ainda não esteja aprisionada.
Ah, pintem o cântaro à maneira tolteca,
pintem essa forma preciosa com ouro e prata!
Juntos vamos agarrá-la,
vamo-nos aproximar da água branca.
Além, junto aos canais,
as gotas caem, as águas levantam-se.
Aquele que carrega a minha água florida
já ali vem, ele, vem para ma dar.
Esperem-no, não vão em vão.

A guerra florida, a flor do escudo,
abriram a sua corola.
Grande estrépito de entrechocar de escudos, de corolas:
por isso venho esconder aqui o ouro e a prata,
venho pedir que me guardem os livros de pinturas do ano.
Ó canal, com o meu cântaro corre a água!

Tradução: Herberto Helder

(Do livro Poemas Ameríndios. Lisboa: Assírio & Alvim, 1997.)

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