quinta-feira, 19 de março de 2009

UM ENSAIO DE EDUARDO MILÁN (CONCLUSÃO)

Por que a poesia deve tender à cristalização do movimento? Diz Buckminster Fuller: “Eu não trato de imitar a natureza, mas de seguir os mecanismos que a regem”. O que importa aqui é a palavra mecanismo. O que as formas fixas tendem a deter é justamente o mecanismo da vida, que é fluxo e devir. Pretender negar o fluir da vida é mais uma concessão à visão pura sobre a vida, uma negação da consciência e o relegamento do poeta à categoria de ser inocente, concessão ao pior espírito romântico. Por último, o recurso à forma fixa resulta ser, por mais paradoxal que pareça, um privilégio do conteúdo sobre a forma, pela crença de que o conteúdo pode, por si mesmo, modificar a forma. A melhor poesia ocidental indica o contrário.

Tudo o que foi dito anteriormente implica um parti pris. Em suas reflexões sobre o Tractatus, em 1929, Wittgenstein dizia que o ético consistia em “arremeter contra os limites da linguagem”. Arremeter, profanar, transformar. Em termos poéticos isso implica ir além das formas fixas e contra toda pureza tentar a criação de uma mestiçagem formal que só pode nos levar a um conceito da forma como transitória. Nessa transitoriedade estaria situado o entroncamento com a tradição libertária de nossa poesia, a tradição crítica, sem temor ao pretenso esgotamento do repertório formal da vanguarda. Sem temor a esse outro fantasma que percorre a poesia atual: o silêncio. De qualquer maneira, como diz Jabès, “se escreve sempre sobre o fio do nada”. Do contrário, os ventos da intemporalidade que sopram diariamente em nossa poesia podem acabar com ela. Poesia: questão de futuro.

Tradução: Claudio Daniel


(Ensaio publicado como posfácio na antologia Estação da fábula, que reúne poemas de Eduardo Milán traduzidos por mim. O livro foi publicado em 2001 pela Fundação Memorial da América Latina.)

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