sexta-feira, 5 de julho de 2024

JAGANATHA

 



 





Jaya Jaganatha!

negro-azul-safira-

cujo-olho-tudo-vê!

Não tem pés

e é mais rápido

do que o vento;

não tem mãos

e pode tocar

os nove mundos.

Jaya Jaganatha!

negro-azul-safira-

cujo-olho-tudo-vê!

Ele é mais rápido

do que mil relâmpagos

no céu azul-azeviche.

Não tem orelhas

e pode ouvir tudo

o que se diz

em todo tempo-espaço

e fora do tempo,

fora do espaço

fora do som

e do silêncio.

Jaya Jaganatha!

negro-azul-safira-

cujo-olho-tudo-vê!

Ele, o Rei do Universo,

que tem grandes olhos

sem pálpebras!

Ele é madeira-espírito

perfumado

de todos os aromas

de todas as flores,

de todos os reinos

celestiais;;

ele é madeira-espírito

que veio das águas

até a beira-mar

como um tronco

para ser esculpido

pelo arquiteto dos deuses.

 

Presto reverências

ao Senhor Jaganatha!

 

Presto reverências

ao Senhor Baladeva!

 

Presto reverências

à Senhora Subhadra!

 

Poema escrito para a celebração  do Ratha Yatra de 2024.

segunda-feira, 24 de junho de 2024

NITYANANDA


 








Ele,

o louco!

Ele, o louco

de amor!

Ele,

que é dois:

o amor

e o Amado.

Ele,

que é dois:

o dançarino

e a dança.

Ele-Aquele

cujos pés

brilham

rebrilham

como milhares

de luas

e sóis.

Presto

reverências

ao Senhor

Nityananda!

Ele-Aquele,

o de pele

vermelho-

dourada.

Ele-o-Outro,

cujo pescoço

é untado

com polpa

de sândalo.

Presto

reverências

ao Senhor

Nityananda!

Ele-Aquele-o-Outro,

que sempre canta

os nomes

de Radha

e Krishna!

Por favor, escutai

minhas poucas

palavras.

Minha mente

é louca, louca!

Ela se move

como um peixe,

na água, oscila

de um lado

a outro,

não tem paz!

Minha mente

é louca, louca!

Ela corre-corre

como o elefante

na floresta,

não tem paz.

É tão difícil

viver neste mundo

com a mente

descontrolada!

Por isso, presto

reverências

ao Senhor

Nityananda!

Ele-Aquele-o-Outro

que sempre canta

os nomes de Radha

e Krishna!

Esta mente,

este mundo

têm menos sentido

do que a água

contida

na pegada da pata

de um bezerro.

Que o Senhor Gauranga

tenha misericórdia.

Que o Senhor Nityananda

tenha misericórdia.

Se tudo é loucura,

se tudo é insanidade

entre ser louco

neste mundo

vaga mundo

e ser louco de amor

na dança-dançante-dançada

do dançarino de todas as danças,

mostrai-me o caminho

dessa última suprema loucura.

Oh Senhor de pele

vermelho-dourada!


Poema inédito de Claudio Daniel, inspirado no livro Nityananda, o mestre espiritual de todos os mundos, de Chandramukha Swami.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

NARASIMHA

 



Ele

o misterioso

Senhor

azul-azeviche

com olhos

de lótus

e cabeça

de leão:

como seria

possível

descrevê-lo,

suas garras

caninos

e múltiplas mãos?

 

Ele

o misterioso

Senhor

com cabeça

de leão

-- dizem

os Vedas --

está dentro

de tudo

e fora de tudo 

no coração

da cobra

do elefante

da formiga

do devoto

e do comedor

de cachorros.

Ele protege

toda a Criação.

 

Ele

o misterioso

Senhor

com cabeça

de leão

está sempre

longe

sempre perto

mais suave

que a água

mais forte

que o fogo

mais rápido

que o vento.

 

Oh misterioso

Senhor

com cabeça

de leão:

mata o ser-

de-inferno-

e-pesadelo

o demo-danoso

do escarcéu!

 

(Hiranyakashipu

é dilacerado

pelo Senhor

com olhos de lótus,

que sai de dentro

de uma pilastra

do palácio reall.)

 

Foi de dia?

Foi de noite?

Nem de dia

nem de noite

nem dentro

nem fora

de casa

nem na terra

nem no céu

oh Senhor dos enigmas.

 

Ele

o misterioso

Senhor

azul-azeviche

com cabeça

de leão:

como seria

possível

descrevê-lo,

suas garras

caninos

e séquito de serpentes?

 

Oh Narasimha 

com olhos de lótus 

e múltiplas mãos!

 

Om namo Bhagavate Narasimhaya!


Claudio Daniel, maio de 2024

sexta-feira, 10 de maio de 2024

RADHA

 



 






Seu rosto é como a lua.

Ela, a moça que tem brincos

em formato de peixe

faz Krishna dançar

em lilas de amor dançarino.

Seus olhos são iguais

a pássaros dançantes.

Ela, cujo rosto é como a lua.

Cega de amor, dança

vestida de carmesim

flor de lótus nos cabelos.

Ela, cujo rosto é como a lua

só deseja ter um milhão de olhos

sem pálpebras, para ver sem piscar

as infinitas faces de Seu Amado.

 

Claudio Daniel, 2024

quarta-feira, 8 de maio de 2024

PRIMEIRO POEMA DE 2024

 











BOSQUE DE RADHARANI

 

“flor com mil olhos de água”

Hilda Hilst

 

manhã de neblina

(cachoeira-branco-

azul-do-céu):

pés cruzam ponte de madeira

molhada pela chuva

até o campo

de pétalas

açafroadas.

Barro, pedras

galhos, formigas 

que carregam

farelos, folhas e flores.

No bosque de Radharani

-- moça com olhos de lótus --

tudo canta-encanta:

olhos-de-água

cantam-encantam

flores brancas

cantam-encantam

borboleta negro-azul

canta-encanta

até as pedras cobertas de musgo

cantam-encantam.

Nada existe além do aroma úmido

e dos ruídos do rio.

(Todos os rios oram por Ela

que se banha à meia-noite).

(Todos os rios oram por Ela

que dança com os pés

pintados de vermelho.)

Nada existe além  das árvores

de  troncos inclinados

pinhas queimadas

folhas e gravetos.

Porque tudo o que existe vem Dele,

vem Dela, vem do Ele-Ela

em mil danças de amor dançarino.

Pergunte às árvores.

Pergunte aos rios.

No bosque de Radharani

-- Aquela que encanta o encantador

o encantado encantável

Govinda-de-face-azul-lótus-negrume --

tudo é canto-encanto.


Claudio Daniel

(em Nova Gokula, 2024)

 

 

sábado, 18 de novembro de 2023

BREVE COMENTÁRIO MATINAL

 

A poesia de qualidade publicada hoje no Brasil é quase clandestina. Nāo é publicada pela Companhia das Letras, nem pela 7 Letras, nem pela 34, mas por pequenas editoras, em pequenas tiragens, nāo aparece na mídia, é mal distribuída e, claro, nāo recebe o prêmio Jabuti, nem o Oceanos. É uma poesia feita à margem do apodrecido sistema literário comandado por Manuel da Costa Pinto, Carlito Azevedo, Fábio Weintraub, Tarso de Melo, Heitor Ferraz, Angélica Freitas e associados, que só promovem a si mesmos e a seus amigos, que têm a carteirinha do clube dos puxa-sacos. A poesia de qualidade é lida por quem acompanha os lançamentos das editoras independentes, os sites e blogues de literatura e os perfis de seus autores nas redes sociais. Esta é uma poesia que nada deve à medíocre "geraçāo mimeógrafo" carioca dos anos 1970 nem à revista Inimigo Rumor. É estudada na universidade pelos poucos professores e pesquisadores que sabem o que é poesia. É chamada de obscura, hermética, vanguardista, acusada de afastar o público, embora muitas vezes trate de maneira crítica temas contemporâneos considerados polêmicos, evitados pela turminha do milkshake. Nada tem a ver com o "politicamente correto", o feminismo de vitrine da pequena burguesia ilustrada. A poesia de qualidade nāo é escrita por homens ou mulheres, brancos ou negros, gays ou héteros, mas por POETAS. Autores que dominam os recursos da linguagem poética. Ponto. Esta é uma poesia de resistência ao mercado, à moda, à mídia e ao processo de imbecilizaçāo da cultura brasileira. Seus ícones nāo sāo Ana Martins Marques, Ricardo Aleixo ou Micheliny Verunschk, mas Gilka Machado, Pedro Kilkerry, Sousândrade, Hilda Hilst, Pagu, Joāo Cabral de Melo Neto, Augusto e Haroldo de Campos. Poetas que nāo ligam para a falsa crítica literária nāo têm medo de se declararem comunistas ou de apoiarem a Palestina, por receio de afastarem leitores. Eles já sāo lidos por quem conhece poesia de qualidade (público que pode aumentar, sim). A valorizaçāo dos medíocres e o ocultamento intencional dos bons poetas é um fato político, uma luta política que faz parte da história. E a história nunca recompensou a mediocridade. O destino dos poetas famosos, mas fraquíssimos, é o esquecinento, a lata de lixo da história.


terça-feira, 31 de outubro de 2023

GAZA

 








Claudio Daniel

 

I

escuras são as palavras

do canto:

demolidas

como as casas

na faixa de gaza.

shemá israel!

adonai eloheinu

adonai ehad.

espectros

torvos

arrastam fardos

farrapos

de si mesmos.

pedras

podres

água

barrenta

ruínas

de vidas

mutiladas

torvo horror

medonho

furiais

furiais

furiais

ínferos

antros

infernais

fomes corcundas

arame

farpado

fuzis

automáticos

turvas

antiflores

sob a lua de gaza

 

II

carnes de corpos

já sem rostos

pernas

olhos

mãos

sob o  céu

iluminado

por fósforo

branco.

 

III

corpos

costurados

sem sedação

em hospitais

arrasados

por bombas

torvo horror

medonho

caninos

retorcidos

mordem-se

por dentro

 

IV

gaza

olhos

de gaza

seios

de gaza

cabelos

de gaza

lua

de gaza

até

quando

este

pesadelo?

 

V

a paz

é o chifre

de um coelho?

 

VI

furiais

furiais

furiais

ínferos

antros

infernais

a faixa

de gazaa

é o novo

auschwitz

hitler

gargalha

no inferno.

 

P. S. A crianças palestinas  escrevem seus nomes nas palmas das mãos para serem enterradas junto de suas mães. 

domingo, 23 de julho de 2023

EM AGOSTO!!!


 

CATORZE HAIKUS DA CHAPADA DIAMANTINA + UM HAIKU DE SÃO PAULO

 


 










Neblina na Chapada:
até a orquídea
treme de frio.

 

Morro do chapéu:
o sol queima
nossas cabeças

 

Nuvens brancas:
melhor amigo
é o silêncio.

 

Cachoeira do céu:
o branco se espalha
sobre arbustos secos

 

Morro vermelho:
a voz vermelha
das rochas.

 

A pétala branca
é a casa
da aranha.

 

Chuva de pétalas
amarelas
na janela do jeep.

 

Cachoeira do mosquito:
pequenos diamantes
sem asas.

 

Trilha de pedras tortas

levam meus pés

até o Poço do Diabo.

 

 

Caminho do poço azul:
gato dorme
sob azaleias

 

Gruta do poço azul:
imagens deslizam
nas águas

 

Rochas negras
verde musgo: branco
voo de borboletas

 

No meio do nada
encontrar tudo
as nuvens, o silêncio

 

***

 

Mendigo fuma
toco de cigarro
encurvado na rua.