quarta-feira, 8 de julho de 2015

POEMAS DE WILLIAM CARLOS WILLIAMS



















CONSAGRAÇÃO DE UM PEDAÇO DE TERRA

Este pedaço de terra 
defronte às águas do estreito 
é consagrado à presença viva de 
Emily Dickinson Wellcome 
que nasceu na Inglaterra, se casou, 
perdeu o marido e com 
seu filho de cinco anos 
veio para Nova York num navio de dois mastros, 
foi bater nos Açores; 
vogou a esmo até o baixio de Fire Island, 
encontrou o segundo marido 
numa pensão do Brooklyn, 
foi com ele para Porto Rico 
deu à luz mais três filhos, perdeu 
seu segundo marido, teve oito anos 
de vida dura em St. Thomas, 
Porto Rico, São Domingos, acompanhou 
o filho mais velho a Nova York, 
perdeu sua filha, o seu "bebê", 
pegou os dois meninos do 
segundo casamento do filho mais velho 
serviu-lhes de mãe — deles que eram 
rfãos de mãe — lutou por eles 
contra a outra avó 
e as tias, trouxe-os para cá 
verão após verão se defendeu 
aqui contra ladrões, 
tempestades, sol, incêndio, 
contra moscas, moças 
que vinham farejar à volta, contra 
seca, ervas daninhas, marés de borrasca, 
vizinhos, doninhas que lhe roubavam o galinheiro, 
contra a fraqueza de suas próprias mãos, 
contra a força crescente 
dos meninos, contra ventos, contra 
pedras, contra os invasores, 
contra impostos, contra o seu próprio entendimento. 
Cavoucou esta terra com suas próprias mãos, 
reinou sobre esta leira de relva, 
imprecou o filho mais velho 
até que ele a comprasse, viveu aqui quinze anos, 
alcançou a solidão definitiva e —
Se não puderes trazer a este lugar 
mais do que a tua carcaça, fica longe dele.


O CARRINHO DE MÂO VERMELHO

tanta coisa depende 
de um
carrinho de mão 
vermelho
esmaltado de água de 
chuva
ao lado das galinhas 
brancas.


POEMA

Ao trepar sobre 
o tampo do 
armário de conservas
o gato pôs 
cuidadosamente 
primeiro a pata
direita da frente 
depois a de trás 
dentro
do vaso 
de flores 
vazio.


A ACÁCIA-MELEIRA EM FLOR 

Segunda versão

Por 
entre 
verde
velho 
claro 
rijo
roto 
ramo 
outro
branco 
doce 
Maio
vem.


O POEMA

Tudo está 
no som. Do som, a canção 
Mesmo rara. Bom
que seja uma canção — com 
pormenores, vespas, 
uma genciana — algo 
imediato, tesoura
aberta, olhos 
de senhora — desperta, 
centrífuga, centrípeta.


 A DURAÇÃO

Uma folha amarfanhada 
de papel pardo mais 
ou menos do tamanho
e volume aparente 
de um homem ia 
devagar rua abaixo
arrastada aos trancos 
e barrancos pelo 
vento quando
veio um carro e lhe 
passou por cima 
deixando-a aplastada
no chão. Mas diferente 
de um homem ela se ergueu 
de novo e lá se foi
com o vento aos trancos 
e barrancos para ser 
o mesmo que era antes.

NO JOGO DE BEISEBOL

No jogo de beisebol a multidão 
é identicamente animada
por um espírito de inutilidade 
que a delícia —
todo o detalhe emocionante 
da perseguição
e da evasão, o erro 
o lampejo de gênio —
tudo sem outro fim que não a beleza 
o eterno —
Assim em detalhe os da multidão 
são belos
por isso 
o prevenir-se contra
o saudar e reptar — 
Ela está viva, virulenta
sorri ferozmente 
suas palavras cortam —
A moça vistosa ao lado 
de sua mãe, entende isso —
O judeu entende de imediato — ela 
é mortífera, aterradora —
É a Inquisição, a 
Revolução
É a própria beleza 
que vive
dia por dia neles 
ociosa —
Esse o 
poder do seus rostos —
É verão, é o solstício 
a multidão está
gritando, a multidão está rindo 
em detalhe
permanentemente, gravemente 
sem pensar

 A CABEÇA DE BACALHAU

Miscelânea de algas 
cordões, caules, detritos — 
firmamento
de peixes — 
onde as patas amarelas 
das gaivotas chapinham
ramos batem 
barcos deixam rastro de bolhas 
— de noite doidamente
agitam-se fosfores- 
centes animálculos — mas de dia 
flácidas
luas em cujos 
discos por vezes uma cruz vermelha 
reside — quatro
braças — no fundo assenta 
um salpico 
de areias esverdeadas —
amorfo titu- 
beio de rochas — três braças 
o corpo
vítreo pelo qual — 
peixinhos velozes descem 
fundo — e
eis embalo um sobe 
e desce 
estrelas vermelhas — uma decepada
cabeça de bacalhau entre 
duas pedras — subindo 
descendo.


AS ÁRVORES BOTTICELLIANAS

O alfabeto das 
árvores
vai desmaiando na 
canção das folhas
as hastes cortadas 
das finas
letras que escreviam 
inverno
e frio 
foram iluminadas
com 
pontas de verde
pela chuva e o sol — 
As regras simples
e estritas dos ramos 
retos
vão sendo alteradas 
por ses de cor
pinçados, por cláusulas 
devotas
os sorrisos de amor —
...........
até as frases 
desnudas
se moverem como braços 
e pernas de mulher sob o tecido
e em sigilo o louvor 
entoarem do desejo
e do império do amor 
no estio —
No estio a canção 
canta-se por si
acima das palavras surdas —


MULHER DIANTE DE UM BANCO

O banco é uma questão de colunas, 
tal como. a convenção, 
e não a invenção; mas os frontões 
lá estão sob o sol
para acalmar as dúvidas 
de investimentos "sólidos 
como rocha" — sobre os quais o mundo 
se firma, o mundo da finança,
o único mundo: Logo ali, 
conversando com outra mulher enquanto 
embala um carrinho de criança 
de lá pra cá está uma mulher com um
vestido rosa de algodão, sem meias 
nem chapéu; as pernas nuas 
são duas colunas sustentando 
seu rosto, como o de Lênin (o cabelo
frouxamente preso muito louro) ou 
de Darwin, e aí 
está: 
mulher diante de um banco.


Traduções: José Paulo Paes 

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