A poesia visual brasileira, elaborada
com recursos da tecnologia digital ou meios artesanais, ainda encontra
resistência em uma parcela da crítica literária, incapaz de avaliar essa
produção conforme modelos teóricos eficazes para a interpretação de textos
tradicionais, mas inadequados para a compreensão de experiências poéticas que
transcendem a linguagem escrita, como a poesia sonora, a performance, a holografia ou a videopoesia. O próprio caráter
visual da escrita, evidente nas tipologias de letras, disposição das linhas e
no aspecto gráfico do objeto livro, torna-se quase invisível para essa crítica,
como observou a poeta portuguesa Ana Hatherly ao propor uma “reinvenção da
leitura” que leve em consideração, como elemento constitutivo da construção do
sentido, a forma visual da escrita. A autora publicou uma obra de referência
para o estudo da poesia visual, a antologia A
experiência do prodígio, que reúne textos visuais barrocos e maneiristas
portugueses dos séculos XVII e XVIII, sem omitir informações sobre as origens
greco-latinas dessa modalidade poética, como as composições de Símias de Rodes,
datadas do século III a. C. No Brasil, após o movimento da Poesia Concreta,
iniciado da década de 1950, com o trabalho poético, crítico e tradutório de
Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, uma nova geração de poetas tem
realizado interessantes pesquisas sobre as possibilidades de interação entre
escrita, som, imagem e movimento, destacando-se as inventivas obras de Arnaldo
Antunes, Lenora de Barros, André Vallias, Lúcio Agra e Elson Fróes. Estes
poetas veiculam seus experimentos poéticos em livros, mas também em outros
suportes, como o compact disc, a instalação, o videoclip, a performance poético-musical, o computador. O diálogo poético com as
novas tecnologias eletrônicas está presente, sobretudo, no trabalho do
paulistano Elson Fróes, criador de um dos primeiros sites de poesia publicadas
na internet a partir da década de 1990, Popbox.
Um bom exemplo das experiências do poeta com os recursos digitais é a animação
que criou para o poema Lua na água (http://www.elsonfroes.com.br/kamiquase/anim.htm),
de Paulo Leminski, em que o movimento das palavras e do ícone da lua na tela do
computador traduz visualmente o sentido da composição. Já no poema sonoro SUS (http://www.elsonfroes.com.br/sonora.htm),
Elson Fróes desloca o movimento para a oralização das palavras, explorando a
musicalidade de assonâncias, aliterações, rimas imprevistas, ecos e pausas. Sua
poesia visual, elaborada inicialmente com meios artesanais, como o recorte,
colagem e montagem de desenhos, fotos e textos em várias cores e tipologias de
letraset, foi digitalizada – e em alguns casos retrabalhada – em Popbox (na
página http://www.elsonfroes.com.br/visual.htm),
disponibilizando para o leitor/internauta a
sua insólita oficina de inventos. Em “a grama diz / o que o vento diz / o
indizível bis”, Elson Fróes cria um curioso haicai, em que a diagramação das
linhas mimetiza o movimento do vento nas folhas, enquanto a aplicação da cor
verde transforma as palavras em ícones vegetais, numa perfeita unidade entre
construção e sentido. Os recursos visuais utilizados por Elson Fróes são
coerentes com as possibilidades estéticas do haicai japonês, escrito no
alfabeto de ideogramas, que representam desenhos abreviados das coisas,
justapostos conforme técnicas de montagem, numa lógica pictórica e relacional
que combina diferentes elementos de maneira metafórica. Em Recifra-te, o autor realiza um poema enigmático que solicita a
intervenção do leitor para a decodificação do sentido, pela substituição das
figuras hieroglíficas por letras do alfabeto ocidental. Os enigmas, aliás, são
recorrentes na poesia barroca, cujos ecos ressoam na poesia em versos de Elson
Fróes, publicada em seu (até agora) único livro publicado, Poemas diversos (2008), onde lemos pequenas joias, como esta
belíssima composição: “se faz o ouro em volutas / que se revolve ao vento /
ouro revolto em movimento / e no coração como concha / traz uma pequena pérola
/ incrustada luz que refulge / no fundo da escuridão / pérola, luz, iluminada”.
(Artigo de Claudio Daniel publicado na edição de julho /2015 da
revista CULT, na coluna RETRATO DO ARTISTA.)
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