PAPEL DE RISCOS
I
A aguda serpente finca e dobra o corpo dormente nas tramas da pele fina e branca, linho de algodão, leve no vento e no roçar da fria camada serpentina da agulha que se finca a cada hiato da pele, dócil trama que plasma o leve e a aspereza do toque e se entrega à aguda e violenta investida do seu roteiro de estradas e trilhos a céu aberto.
II
A mouca agonia das frestas abertas no corpo cala o traço no desejo do grafite negro sobre a pele alva. O silêncio costura a linearidade do instante no corpo. O tempo cala. O tempo resvala na calada do corpo. O corpo agoniza. O grafite pontua esse instante. As frestas grafitadas e os vértices falicamente atravessados pelo desejo da pele alva. A letra perfura a ortogonalidade e costura o tempo. Não resta mais nada além da agonia desse ponto letra falo desejo. O silêncio vaza no vértice vazio.
III
Exercito o grafite.
Caras cabeças cortadas sorriem sobre o balcão. Acenam com dentes parcos e pardos o destino das gentes emolduradas nos vagões cinéticos.
IV
O grave estupor exala dos poros a memória cindida no tempo pêndulo grave gravado no peito das horas porosas da carne que espera lenta e certa o toque final.
V
No cinzel das rotas joguei os dados
contei os fardos e alojei ao longo
da linha cortada e atada aos cacos,
aos trancos e barricadas, os trunfos.
Bordadas as linhas em mosaico de fotos
salvei das tripas meu coração cinzelado
e cindi no horizonte meu olhar em meio
aos coriscos das letras a berrarem no paraíso.
As rotas tomam seu rumo:
risco no papel o riso que me rasga.
Susanna Busato é poeta e professora de Poesia Brasileira na UNESP (São José do Rio Preto/SP). Mantém o blog Papel de Riscos, http://www.meupapelderiscos.blogspot.com/.
Nenhum comentário:
Postar um comentário