Quanto menos se dorme
mais Lynchiana a realidade parece
não ver coelhos agindo de forma humana na sala
não significa a ausência deles
eles estão lá, mas quanto menos se dorme
mais normal o absurdo se torna
e mais petrolífera a noite se apresenta
como se anjos borrifassem gasolina nos olhos
para confundi-los e fazê-los crer
que o néon na calçada é luz divina
Quando não se dorme
somem as distâncias
apenas automatismo
dos passos dirigindo-se
até o dragão de quarenta lugares
que vai pro centro da espiral
porque não dormir é uma maneira
de ser abstrato e parecer contínuo
perpétuo movimento cerebral
mesmo quando não há sono
há sonho.
II
Buscar é a condição dos homens e alcançar é conquista divina. o alcance nem sempre é uma vantagem porque deus errou nas suas escolhas e respirar pequenas felicidades encontradas onde ninguém vê é a forma mais pura de fé. por aí estão disputando o corpo dele, repartindo seus pedaços todo dia pão às avessas, mas o alimento e o nome do criador provém dos medos humanos. deus no campo azul do poder, onde os homens o colocaram e onde ele brinca de Iscariotes − sarcasmos nos sacrifícios.
III
Somos maiores
somos maiores do que a individualidade latente
latejante veia dentro dos copos entre as mãos
beberemos das veias e artérias
cortando o crepúsculo do inferno
sangue jamais contaminado
por valores previamente estipulados
Desse mundo não queremos herança
nos contentamos com algumas palavras
que buscamos nas naturezas sábias
Rimbaud me ilumine
com sua lanterna mágica
Rimbaud me ilumine
mas não me cegue
sigo-te
com o manto da invisibilidade
Baudelaire
teu albatroz vive em mim
um dia vou matá-lo
com meu punhal da sorte
e ele voará
proutro coração
Um coração que nasce sozinho sem raízes
porque pulsa fora da terra, no campo fértil
dos pensamentos livres de espinhos e flores
Coração suspenso que tudo reflete
porque está acima de todas as hipóteses
é apoteose única e indecifrável
No labirinto de heras e nuvens brancas
brandos ventos onde os alados buscam sossego
com olhos puros de alguma coisa não nomeada.
Camila Vardarac, poeta carioca, é formada em Cinema e publicou poemas em sites e revistas eletrônicas como Cronópios e Zunái. Participou do festival literário Artimanhas Poéticas, realizado em 2009 no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro.
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