Antônio Moura
A genuína arte é também uma forma de combate. Não o combate literalmente político ou socialmente engajado de forma militante, panfletário, que, pelo contrário, é, muitas vezes, um dos maiores inimigos da arte, colocando-a numa camisa de força, numa viseira ideológica que não permite a ela, a arte, fazer aquilo que lhe é mais caro, expandir, ampliar os sentidos em todos os sentidos.
A poesia, como uma forma de arte das mais exigentes para consigo mesma, tão exigente que atravessa os tempos procurando ferir-se o mínimo possível nos espinhos envenenados de uma entidade onipresente chamado mercado, a poesia, também tem presença no mundo como elemento de forças combatentes e de resistência. Combate e resistência a quê? A um comodismo, um conformismo e um artificialismo que levam à estagnação da linguagem ou a uma espécie de beletrismo, um modo malandro de agradar uma platéia de “bom gosto” ou um formalismo asséptico que garante a seus autores um lugar na galeria dos “bem sucedidos”, sem correr nenhum risco, já que se satisfazem em repetir padrões estabelecidos e consagrados ou procedimentos formais vazios onde parece não correr uma gota de sangue, um lampejo de vida pulsante, e, no fim das contas, todos de resultados não menos previsíveis. Enfim, um coro apático cantando para os seus próprios aplausos.
Agora nos perguntamos, porque este breve preâmbulo que de forma alusiva dirige-se a uma boa parte da situação da poesia brasileira atual? Porque a aparição de um poema que contradiz toda esta situação de apatia acima descrita é digna nota. O poema em questão é Flor Occipital, de Claudio Daniel. Um poema para o qual não dedicarei nenhuma análise escolar, acadêmica, nenhum tipo de dissecação formal, mas uma celebração, por tratar-se de uma obra de pleno vigor poético, daquelas que tem por natureza se contrapor, o que é mais que saudável, eu diria até vital para o movimento das transformações dentro e fora da linguagem. O poema aqui citado e celebrado não é exemplo de defesa de nenhuma causa social, ambiental ou política, pelo contrário é um poema que se cria e se recria livre como uma nuvem, mas que é obra que parte para o enfrentamento, para o desafio de abrir novas sendas no campo da linguagem, ultrapassando limites do bem aceito, do tão sagrado vocabulário poético e, partindo da implosão da linguagem, atinge os vários dispositivos de rebelião de forma implícita mas expressiva.
Como o próprio poema diz logo em seu inicio, numa espécie de auto-retrato do texto “Uma escrita de ossos, nervos, / orbes, lembranças”, Flor Occipital traz em seu cerne o sabor do perigo, o risco da aventura da criação que, a meu ver, é essencial para que toda obra de arte surja e se insurja nos campos de sombra da vida, jogando novas luzes, aqui e ali, abrindo brechas nos muros da existência e não apenas existindo como um artefato verbal, que também não pode deixar de ser e o é.
Uma arte para se fazer presente no mundo – no nosso caso, a poesia – e ter algum poder de interferência na realidade precisa ir além de suas próprias fronteiras, precisa “Jogar-se na sombra em busca do íntimo escaravelho/tatuado na buceta/da Senhora Linguagem./Jogar-se na sombra porque pedra é mais do que grito é mais do que esquilo/ é mais do que o turvo uivo da lacraia./Escrever poesia não é um trabalho para homens delicados”.
O poema Flor Occipital dá-se a este jogo de vida morte, a este trabalho onde tudo está em jogo, desde a estabilidade do pensamento até a estruturação ou desestruturação do que se fala e de como se fala. E como a palavra já é uma acontecimento, um patamar da realidade, subvertê-la, violar seu íntimo, já é uma forma de subversão da realidade, principalmente quando se trata de uma forma verbal que aguça, sacode e anima o lado fantoche do ser humano com um caleidoscópio vibrante de emoções amortecidas, tornando vivo e redivivo este espantalho urbano guiado pelas ruas.
O poema Flor Occipital, em sua escrita-escavação, traz à tona, à superfície do homem, o homem não-rebanho que tanto agradava a Nietzsche.
O poeta Claudio Daniel, ele mesmo, declarou em entrevista que todo verdadeiro artista é de certa forma um artista experimental, pois jamais se conforma com o estabelecido. Eu só tenho a concordar com sua afirmação e dizer que Flor Occipital vale por suas “mandalas de ternura e escárnio” e que na arte, assim como na vida, “estão todos os jogos, todos os mapas, todas as palavras, inclusive aquelas por inventar.
Antônio Moura (Belém 1964). É autor de Dez (1996), Hong Kong (1999), Rio Silêncio (2004), A Sombra da Ausência (2009).
A genuína arte é também uma forma de combate. Não o combate literalmente político ou socialmente engajado de forma militante, panfletário, que, pelo contrário, é, muitas vezes, um dos maiores inimigos da arte, colocando-a numa camisa de força, numa viseira ideológica que não permite a ela, a arte, fazer aquilo que lhe é mais caro, expandir, ampliar os sentidos em todos os sentidos.
A poesia, como uma forma de arte das mais exigentes para consigo mesma, tão exigente que atravessa os tempos procurando ferir-se o mínimo possível nos espinhos envenenados de uma entidade onipresente chamado mercado, a poesia, também tem presença no mundo como elemento de forças combatentes e de resistência. Combate e resistência a quê? A um comodismo, um conformismo e um artificialismo que levam à estagnação da linguagem ou a uma espécie de beletrismo, um modo malandro de agradar uma platéia de “bom gosto” ou um formalismo asséptico que garante a seus autores um lugar na galeria dos “bem sucedidos”, sem correr nenhum risco, já que se satisfazem em repetir padrões estabelecidos e consagrados ou procedimentos formais vazios onde parece não correr uma gota de sangue, um lampejo de vida pulsante, e, no fim das contas, todos de resultados não menos previsíveis. Enfim, um coro apático cantando para os seus próprios aplausos.
Agora nos perguntamos, porque este breve preâmbulo que de forma alusiva dirige-se a uma boa parte da situação da poesia brasileira atual? Porque a aparição de um poema que contradiz toda esta situação de apatia acima descrita é digna nota. O poema em questão é Flor Occipital, de Claudio Daniel. Um poema para o qual não dedicarei nenhuma análise escolar, acadêmica, nenhum tipo de dissecação formal, mas uma celebração, por tratar-se de uma obra de pleno vigor poético, daquelas que tem por natureza se contrapor, o que é mais que saudável, eu diria até vital para o movimento das transformações dentro e fora da linguagem. O poema aqui citado e celebrado não é exemplo de defesa de nenhuma causa social, ambiental ou política, pelo contrário é um poema que se cria e se recria livre como uma nuvem, mas que é obra que parte para o enfrentamento, para o desafio de abrir novas sendas no campo da linguagem, ultrapassando limites do bem aceito, do tão sagrado vocabulário poético e, partindo da implosão da linguagem, atinge os vários dispositivos de rebelião de forma implícita mas expressiva.
Como o próprio poema diz logo em seu inicio, numa espécie de auto-retrato do texto “Uma escrita de ossos, nervos, / orbes, lembranças”, Flor Occipital traz em seu cerne o sabor do perigo, o risco da aventura da criação que, a meu ver, é essencial para que toda obra de arte surja e se insurja nos campos de sombra da vida, jogando novas luzes, aqui e ali, abrindo brechas nos muros da existência e não apenas existindo como um artefato verbal, que também não pode deixar de ser e o é.
Uma arte para se fazer presente no mundo – no nosso caso, a poesia – e ter algum poder de interferência na realidade precisa ir além de suas próprias fronteiras, precisa “Jogar-se na sombra em busca do íntimo escaravelho/tatuado na buceta/da Senhora Linguagem./Jogar-se na sombra porque pedra é mais do que grito é mais do que esquilo/ é mais do que o turvo uivo da lacraia./Escrever poesia não é um trabalho para homens delicados”.
O poema Flor Occipital dá-se a este jogo de vida morte, a este trabalho onde tudo está em jogo, desde a estabilidade do pensamento até a estruturação ou desestruturação do que se fala e de como se fala. E como a palavra já é uma acontecimento, um patamar da realidade, subvertê-la, violar seu íntimo, já é uma forma de subversão da realidade, principalmente quando se trata de uma forma verbal que aguça, sacode e anima o lado fantoche do ser humano com um caleidoscópio vibrante de emoções amortecidas, tornando vivo e redivivo este espantalho urbano guiado pelas ruas.
O poema Flor Occipital, em sua escrita-escavação, traz à tona, à superfície do homem, o homem não-rebanho que tanto agradava a Nietzsche.
O poeta Claudio Daniel, ele mesmo, declarou em entrevista que todo verdadeiro artista é de certa forma um artista experimental, pois jamais se conforma com o estabelecido. Eu só tenho a concordar com sua afirmação e dizer que Flor Occipital vale por suas “mandalas de ternura e escárnio” e que na arte, assim como na vida, “estão todos os jogos, todos os mapas, todas as palavras, inclusive aquelas por inventar.
Antônio Moura (Belém 1964). É autor de Dez (1996), Hong Kong (1999), Rio Silêncio (2004), A Sombra da Ausência (2009).
Um poema realmente impressionante.
ResponderExcluirPrezado Prof. Claudio Daniel
ResponderExcluirEnquanto seu aluno no laboratório tive a satisfação de escutá-lo lendo o poema em primeira mão. Resenha perfeita sobre o impacto causado pelo poema. Parabéns.