BASHÔ EM PARIS
p/ Rose
Manhã de gala:
flores, imóveis
damas desnudas,
desfilam cores.
Midi le juste;
suicida, o sol,
no mar de suor,
se põe a pino.
Tarde-alfarrábio:
folhas em verde,
como as impressas,
amarelecem.
Que noite albina!
A torre, embora
de ferro, quase
treme de frio.
VOZ
Ninguém jamais
regeu tão extra-
(pois sem rivais)
vagante orquestra
como a que destra-
vando os umbrais
com chave-mestra
– cordas vocais –
propõe que, além da
canção, com elas,
a mente aprenda
(mais do que vê-las
sem qualquer venda)
a ouvir estrelas.
MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
Caído em si numa ironia
do contragosto feito pele,
mas acossado pela mera
constatação do que existia
quase de todo fora dele,
quem era, enfim, senão quimera
de si, perdido em cada veia
de sua própria carne alheia?
ONDE HÁ FUMAÇA
Dan steigt ihr als Rauch in die Luft
(Paul Celan)
Fumaça alguma implica
memória, já que as coisas
se perdem na fumaça
que, assim, tampouco pode
tornar-se um monumento,
pois sendo transitória
nem mesmo homenageia
a transitoriedade.
Fumaça enquanto tinta,
embora branca (um branco
mais palidez de horror
que alvura de inocência),
serve talvez à escrita;
porém, não há destreza
que inscreva na fumaça,
como na pedra, um nome.
Quando a fumaça, quase
vegetativa, irrompe e,
traindo o genealógico,
assume aspecto arbóreo,
não cabe perguntar
acerca (onde há fumaça,
há cinzas) das raízes
mais fundas da fumaça.
(Poemas do livro O sonho
da razão. São Paulo: ed. 34, 1993)
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