Lista de Preferências de
Orge
Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis;
Conselhos, os inexequíveis.
Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os temporários.
Adeuses, os bem sumários.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, outubro
Elementos, os Fogos
Divindades, o Logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis;
Conselhos, os inexequíveis.
Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os temporários.
Adeuses, os bem sumários.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, outubro
Elementos, os Fogos
Divindades, o Logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.
Tradução: Paulo César de Souza
O poema, construído na forma de
dísticos rimados, recorda o estilo coloquial-satírico do poeta francês Jules
Laforgue (que aliás viveu na Alemanha, onde foi leitor da imperatriz), em especial o da série de litanias da lua, como na peça que
apresentamos a seguir:
Litanias dos Quartos
Crescentes da Lua
Crescentes da Lua
Lua sublime,
Nos ilumine!
Nos ilumine!
É o medalhão
De Endimião,
De Endimião,
Astro de argila
Que tudo exila,
Que tudo exila,
Caixão milenar
De Salambô lunar,
De Salambô lunar,
Cais etéreo
Do alto mistério,
Do alto mistério,
Madona e miss,
Diana-Artemis,
Diana-Artemis,
Santa vigia
De nossa orgia,
De nossa orgia,
Jetaturá
Do bacará,
Do bacará,
Dama tão pálida
Em nossa praça,
Em nossa praça,
Vago perfume
De vaga-lume,
De vaga-lume,
Rosácea calma
Do último salmo,
Do último salmo,
Olho-de-gata
Que nos resgata,
Que nos resgata,
Seja o auxílio
A nosso delírio!
A nosso delírio!
Seja o edredão
Do Grande Perdão!
Do Grande Perdão!
Tradução: Claudio Daniel
A intertextualidade é um recurso
frequente em Brecht – como vimos em seus diálogos com Villon e Laforgue – e
assinalam, mais do que a exibição narcísica da referência erudita, uma tomada
de posição, uma filiação poética, junto à estirpe dos poetas malditos,
sarcásticos, questionadores das normas vigentes na poesia e na sociedade. O diálogo com Laforgue nos parece bastante natural, sobretudo se recordarmos o comentário feito por Mário Faustino sobre o poeta francês: "Jules Laforgue (1860-87): mais um jovem de gênio (Rimbaud, Corbière...) a explodir na língua francesa para desmoralização de uma rotina ética e estética e para preparar o terreno de um novo mundo (ainda hoje por vir). O processo que deu origem a Laforgue: decadência do mundo capitalista, miséria existencial do homem do fin-de-siècle, falácias e panaceias burguesas (Amor etc.) e a linhagem Heine-Baudelaire-Rimbaud-Corbière" (FAUSTINO, 2004: 184). Curioso observar que nesta breve nota crítica -- mas concentrada e densa, como toda a obra crítica de Faustino -- o autor faz um paralelo entre o francês Laforgue e o alemão Heinrich Heine, seu possível precursor na objetividade, precisão e ironia. Os dois poetas -- assim como Brecht -- limparam a linguagem poética de adornos e ornamentos decadentistas, colocando em primeiro plano os substantivos, as coisas. Heine é, sem dúvida, um dos precursores de Brecht na língua alemã, inclusive no campo político, se pensarmos em poemas como Os tecelões da Silésia, de 1844, e de seu posicionamento político, de claro perfil socialista, embora sem estar filiado a nenhum dos partidos operários de sua época.
Na poesia política de Brecht, herdeira da lírica inconformista de Heine, predominam quatro temas: o da natureza predatória do capitalismo -- especialmente da especulação financeira --, o elogio da revolução socialista, a denúncia do nazismo e o testemunho dos horrores da II Guerra Mundial. Brecht abandonou a Alemanha logo
após ascensão de Hitler, em 1933, e viveu no exílio em diversos países
europeus até 1941, partindo depois para os Estados Unidos, onde vive até 1947. Sua
produção ao longo dos anos 1930-1940 é fortemente marcada pelos acontecimentos
internacionais, assim como ocorreu na obra de Carlos Drummond de Andrade, sobretudo no livro Rosa do Povo, com.o
qual também poderíamos traçar um curioso paralelo:
Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
(Versos iniciais de O medo, de Carlos Drummond de Andrade)
e:
Um estrangeiro, voltando de uma
viagem ao Terceiro Reich
Ao ser perguntado quem realmente
governava lá, respondeu:
O medo.
(Versos iniciais do poema Os medos do regime)
Tradução: Paulo César de Souza
A
poesia de Brecht, como a de Drummond, nesse período, é uma poesia de
resistência e combate, em que o eu lírico não se oculta, mas está presente em
sua angústia, em suas dúvidas, em sua fragmentação (que é também a fragmentação
do mundo), e ainda no júbilo epifânico que traduz a esperança utópica, em flashes como este:
ORGULHO
Quando o soldado americano me
contou
Que as alemãs filhas de burgueses
Vendiam-se por tabaco, e as
filhas de pequeno-burgueses por chocolate
As esfomeadas trabalhadoras
escravas russas, porém, não se vendiam
Senti orgulho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário