Haroldo de Campos, no livro O Arco-Íris Branco, apresenta um interessante ensaio – O duplo compromisso de Bertolt Brecht – acompanhado de várias traduções da poesia do autor alemão, com ênfase nas peças mais elípticas, enigmáticas e lacunares, como estas, de nítidas ressonâncias da poética chinesa e japonesa:
EPITÁFIO
Escapei aos
tigres
Nutri os
percevejos
Fui devorado
Pela
mediocridade
A MÁSCARA DO MAL
Na minha
parede, a máscara de madeira
de um demônio
maligno, japonesa –
ouro e laca.
Compassivo,
observo
as túmidas
veias frontais, denunciando
o esforço de
ser maligno.
SOBRE UM LEÃO CHINÊS DE RAIZ DE CHÁ
Os maus temem
tuas garras.
Os bons
alegram-se com teu garbo.
O mesmo
quero ouvir
de meus
versos.
Claro – esta é
uma das facetas da obra poética de Brecht, que é bastante variada na temática e
na arquitetura estilística, embora seja menos conhecida e estudada do que o conjunto de suas peças para o teatro. Otto Maria Carpeaux, no livro A literatura alemã, declara: “Muitos o consideram como o maior
dramaturgo do século XX. Enquanto isso, fala-se muito menos de sua poesia
lírica que, sendo dificilmente traduzível, pouco se conhece no estrangeiro. É,
porém, necessário salientar que Brecht foi antes de tudo um grande poeta (...).
É um dos poetas mais tipicamente alemães da literatura alemã”. (CARPEAUX: 1994:
285)
Willi Bolle
considera que “Bertolt Brecht trouxe para a poesia urbana a proposta de uma
nova sensibilidade, caracterizada por um olhar sóbrio sobre o cotidiano. Seus
poemas falam do ritual de se lavar, da leitura do jornal ao fazer o chá, do
pequeno aparelho de rádio, do dinheiro, do desemprego, do registro das
‘palavras que gritam aos outros’. A poesia de Brecht é política no sentido
próprio da palavra: propõe elucidar as leis da convivência entre os homens na
‘polis’, a metrópole contemporânea, que já não é cidade-mãe, mas praça
mercantil ‘onde se negocia o ser humano’.” (in BRECHT, 2001).
A lírica brechtiana
também aborda temas como a natureza, a fuga, o exílio, a morte, o amor, o Oriente, mas, como adverte Willi Bolle, “há uma
decidida ruptura com os moldes românticos. (...) O que o poeta diz do amor? ‘Do
amor cuidei displicente’ – ao contrário do que pode sugerir este verso, que
representa um papel, não uma confissão, Brecht dedicou muita atenção ao amor.
Certamente mais do que os editores alemães, que retardaram a publicação dos
poemas eróticos e os separaram do resto da obra” (idem).
CANTO DE UMA AMADA
1. Eu sei amada: agora me caem os cabelos, nessa vida dissoluta, e eu tenho que deitar nas pedras. Vocês me vêem bebendo as cachaças mais baratas, e eu ando nu no vento.
2. Mas houve um tempo, amada, em que era puro.
3. Eu tinha um mulher mais forte que eu, como o capim é mais forte que o touro: ele se levanta de novo.
4. Ela via que eu era mau, e me amou.
5. Ela não perguntava para onde ia o caminho que era seu. e talvez ele fosse para baixo. Ao me dar o seu corpo, ela disse: Isso é tudo. E seu corpo se tornou meu corpo.
6. Agora ela não está mais em lugar nenhum, desapareceu como nuvem após a chuva, ela caiu, pois este era seu caminho.
7. Mas a noite, às vezes, quando me vêem bebendo, vejo o rosto dela, pálido no vento, forte, voltado para mim, e me inclino no vento.
Tradução: Paulo César de Souza
CANTO DE UMA AMADA
1. Eu sei amada: agora me caem os cabelos, nessa vida dissoluta, e eu tenho que deitar nas pedras. Vocês me vêem bebendo as cachaças mais baratas, e eu ando nu no vento.
2. Mas houve um tempo, amada, em que era puro.
3. Eu tinha um mulher mais forte que eu, como o capim é mais forte que o touro: ele se levanta de novo.
4. Ela via que eu era mau, e me amou.
5. Ela não perguntava para onde ia o caminho que era seu. e talvez ele fosse para baixo. Ao me dar o seu corpo, ela disse: Isso é tudo. E seu corpo se tornou meu corpo.
6. Agora ela não está mais em lugar nenhum, desapareceu como nuvem após a chuva, ela caiu, pois este era seu caminho.
7. Mas a noite, às vezes, quando me vêem bebendo, vejo o rosto dela, pálido no vento, forte, voltado para mim, e me inclino no vento.
Tradução: Paulo César de Souza
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