Bertolt
Brecht, poeta e dramaturgo alemão, nasceu na cidade de Augsburg, na Baviera, em 1898, numa família de
classe média -- seu pai era diretor de uma fábrica de papel. Em 1917, matricula-se na Universidade de Munique, para estudar
Medicina, mas no ano seguinte é convocado pelo exército e atua como enfermeiro
numa clínica militar em sua cidade natal. A Europa vive então a I Guerra
Mundial, conflito entre as principais potências imperialistas, que resulta em
20 milhões de mortos. Em 1918,
a Alemanha é vencida, e
as forças aliadas impõem, no Tratado de Versalhes, uma série de compensações
econômicas e territoriais ao país derrotado, que mergulha em profunda crise.
Brecht, que
vivencia esses trágicos acontecimentos, logo se entusiasma pela Revolução Russa
e torna-se marxista, ao mesmo tempo que se interessa pelo teatro, participando
do cabaré político do comediante Karl Valentin, em
Munique. Durante o curto período
democrático da República de Weimar, na década de 1920, que antecedeu a ascensão
do nazismo, Brecht realiza os seus primeiros trabalhos dramáticos, como as
peças Baal (1918) e Tambores
da noite (1922).
Nesse
período surge uma nova geração de poetas, cineastas, músicos, arquitetos, fotógrafos
e artistas visuais, interessados na renovação estética e na denúncia da
realidade social, como Fritz Lang, diretor do filme Metrópolis,
o poeta August Stramm, os pintores do grupo Der Blaue Reiter (O cavaleiro azul)
e músicos como Paul Hindemith e Kurt Weill (este último, futuro parceiro de
Brecht em canções de conteúdo político e social). Os artistas da vanguarda
alemã afastavam-se dos modelos clássicos, românticos e realistas e criavam
novas formas estéticas que retratassem a miséria social, a crise de valores
espirituais, a incerteza quanto ao futuro e a fragmentação da sociedade, cada
vez mais sacudida por conflitos entre a classe operária e a burguesia alemã --
cujo ponto máximo foi a tentativa de revolução socialista liderada por Rosa
Luxemburgo e Karl Liebknecht, em 1918.
EPITÁFIO, 1919
A Rosa Vermelha desapareceu
Para onde ela foi, é um mistério
Porque ao lado dos pobres combateu
Os ricos a expulsaram de seu império
Bertolt Brecht
Tradução: Paulo César de Souza
EPITÁFIO, 1919
A Rosa Vermelha desapareceu
Para onde ela foi, é um mistério
Porque ao lado dos pobres combateu
Os ricos a expulsaram de seu império
Bertolt Brecht
Tradução: Paulo César de Souza
O estilo
artístico que sobressai nessa época, especialmente no cinema, na poesia e no
teatro é o expressionismo, que incorpora a paisagem urbana, o mundo das
máquinas e da indústria, a caricatura grotesca de tipos sociais e o humor
negro, mesclados à herança das lendas medievais e do romantismo alemão, à
temática sobrenatural, exótica ou perversa. O expressionismo não é um espelho
do real, mas uma deformação voluntária das formas (por exemplo, a geometria irregular
dos cenários do filme O gabinete do dr. Caligari, de
Robert Wiener), expressão subjetiva do artista, que observa o mundo com
angústia e revolta. Frank Wedekind e Georg Buchner foram dois autores teatrais
expressionistas que influenciaram a concepção artística de Brecht, assim como
as peças populares da era vitoriana, o teatro chinês e os musicais de cabaré.
Frederic Jameson aponta ainda ressonâncias de James Joyce, Eisenstein e do
cubo-futurismo russo na obra dramática do autor alemão, que desenvolveu uma
nova forma de teatro, que integrava cenografia, montagem, poesia, narração,
dança, música e a interpretação dos atores para envolver os sentidos e a
inteligência do público (JAMESON, 1999: 110).
Comentando a
peça Santa
Joana dos Matadouros, Roberto Schwartz observa que “o ritmo da dicção
é submetido ao andamento argumentativo, que tem musicalidade específica, a qual
vai primar também sobre a musicalidade da palavra” (in BRECHT: 2009,12). Anatol
Rosenfeld, no posfácio que escreveu para a edição brasileira de Cruzada
das crianças, observa: “O que Brecht exige é a transformação produtiva das
formas, baseada no desenvolvimento do conteúdo social. Mas este desenvolvimento
material, por sua vez, exige a transformação dos processos formais” (in CAMPOS,
1997: 139). Conforme o estudioso brasileiro, “isto explica a pesquisa
incansável de Brecht, no terreno da palavra, do estilo, do verso, do ritmo, da
cena, do desempenho do ator, da estrutura de sua arte”. A estratégia criativa
de Brecht aproxima-se da concepção do poeta russo Vladimir Maiakovski, para
quem “não existe arte revolucionária sem forma revolucionária”. Para os dois
autores, comprometidos com a transformação estética e com a transformação do
mundo, “a consciência social e a consciência estética se lhe afiguram
inseparáveis” (idem).
EU, QUE NADA MAIS AMO
Eu, que nada mais amo
Do que a insatisfação com o que se pode mudar
Nada mais detesto
Do que a profunda insatisfação com o que não pode ser mudado.
Tradução: Paulo César de Souza
EU, QUE NADA MAIS AMO
Eu, que nada mais amo
Do que a insatisfação com o que se pode mudar
Nada mais detesto
Do que a profunda insatisfação com o que não pode ser mudado.
Tradução: Paulo César de Souza
Brecht não
quer causar impacto emocional na platéia, mas levá-la a
uma reflexão política, incentivando o seu espectador a tomar o partido dos
oprimidos contra os opressores. É um teatro épico, revolucionário. Anatol
Rosenfeld afirma: “Foi desde 1926 que Brecht começou a falar de ‘teatro épico’,
depois de pôr de lado o termo ‘drama épico’, visto que o cunho narrativo da sua
obra somente se completa no palco" (ROSENLD, 1985, p. 146). O
primeiro texto teórico de Brecht sobre o teatro épico aparece no prefácio à
montagem de Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny, sátira
política com texto de Brecht e música de Kurt Weill, encenada pela primeira vez
em Leipzig, em 1930, e depois em Berlim, em 1931. Ao contrário do teatro
dramático, fundamentado na Poética de Aristóteles, o teatro épico rompe com as
noções lineares de tempo e espaço e deixa de lado a catarse, o envolvimento
emocional do público, e a mimese, ou imitação fiel da realidade, que na opinião
de Brecht deixariam o homem passivo em relação ao mundo. O drama épico, que
deixa explícita a diferença entre a peça representada e o mundo, quer provocar
uma reação intelectual no espectador, motivá-lo a questionar os valores e
estruturas vigentes no mundo, que podem e devem ser transformadas.
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