Uma peça que se destaca na
dramaturgia brechtiana é Santa Joana dos Matadouros (1929-31),
cujo tema, segundo Roberto Schwartz, é “a crise do capitalismo, cujo ciclo de
prosperidade, superprodução, desemprego, quebras e nova concentração do capital
determina as estações do entrecho” (in BRECHT: 2009, 9). Os personagens dessa obra insólita,
continua o autor, são “a massa trabalhadora, empregada ou desempregada, os
magnatas da indústria da carne, os especuladores e – disputando as consciências
– os comunistas e uma variante do Exército da Salvação (os Boinas Pretas)” (idem).
Brecht retrata a luta de classes e a situação miserável das camadas mais pobres
da população sem cair numa estética de tipo naturalista, mais frequente nas
peças de agitação política. Podemos observar, em sua técnica narrativa, uma
semelhança com o cinema de Eisenstein, como o filme Encouraçado
Potemkin, em que a montagem das cenas obedece a uma ordem associativa,
metafórica, analógica, como acontece na estrutura do ideograma japonês. A este
respeito, observa Haroldo de Campos: "A
influência da técnica de composição sino-japonesa em Brecht é evidente, seja no
seu teatro, que pode buscar uma linhagem na estrutura das peças nô, seja na sua
poesia, especialmente na da última fase, de extremo despojamento e de
arquitetura elíptica, à maneira do haicai da tradição nipônica" (CAMPOS, 1997:
140).
A estrutura das peças de Brecht,
ao romper com a linearidade de tempo e de espaço e adotar uma ordem analógica,
produz um efeito anti-ilusionista. Conforme Walter Jens, no posfácio aos Poemas
Escolhidos do
autor alemão, citado por Campos, "este efeito se encontra especialmente em poemas escritos no
exílio (...), no fim da década de 1930. Nessas composições lacônicas (Hollywood é
um exemplo paradigmal), o poeta, trabalha preferencialmente com reduções, com
rarefações e abreviaturas estilísticas, de uma tal audácia que o contexto
omitido compensa a dimensão escrita do texto" (idem).
HOLLYWOOD
Toda manhã, para ganhar meu pão
Vou ao mercado, onde se compram mentiras.
Cheio de esperança
alinho-me entre os vendedores.
Tradução: Haroldo de Campos
O método poético adotado por
Brecht nestas composições, continua Jens, consistiria em “enfileirar frases
justapostas, entre as quais o leitor, para compreender o texto, deve inserir
articulações” (idem). Anatol Rosenfeld, analisando esse procedimento à luz do Verfremdungseffekt (“efeito
de alienação”), típico do teatro brechtiano, acrescenta: “O choque alienador é
suscitado pela omissão sarcástica de toda uma série de elos lógicos, fato que
leva à confrontação de situações aparentemente desconexas e mesmo absurdas. Ao
leitor assim provocado cabe a tarefa de restabelecer o nexo” (idem,
140-141). Um bom exemplo desta técnica é o poema O
primeiro olhar pela janela de manhã, traduzido por Haroldo de Campos:
O PRIMEIRO OLHAR PELA JANELA DE
MANHÃ
O primeiro olhar pela janela de
manhã.
O velho livro redescoberto.
Rostos entusiasmados.
Neve, o câmbio das estações.
O jornal.
O cão.
A dialética.
Duchas, nadar.
Música antiga.
Sapatos cômodos.
Compreender.
Música nova.
Escrever, plantar.
Viajar, cantar.
Ser cordial.
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