quinta-feira, 19 de julho de 2012

UM POEMA DE MARCELI ANDRESA BECKER

MEMENTO MORI - II


para Juliano Bittencourt
e Valdomiro Bittencourt

a lua destampou-se: era um tanque de nitrogênio.

hosana nas alturas,

no ponto cego das luvas cirúrgicas,
no ponto cego das pinças

e dos bisturis.

o altíssimo laboratório.

*

era um vale sacrocientífico.

congelaram-se dentro da lua nossos
dez litros de sangue.

as cápsulas do teu sêmen
e dos meus óvulos.

*

o tanque onde lavei tuas roupas suspendeu-se de si
como se a água não tivesse espessura.

os enamorados:

olhamo-nos até que se abrissem todos os registros.

*

inspiravas medo.

a sombra das aves incandesceu sobre
as colchas e os móveis.

era tarde para gritar,
mas gritamos.

alguém diria que de uma hora para a outra romperam-se
as mordaças:

que o assassino se ergueu, iluminado —
como deus no monte sinai.

*

depois o fogo surgiu com hematomas nos joelhos.

porque teria aberto as pernas violentamente
e se batido nas quinas,

a morte.

os joelhos roxos.
o pescoço roxo.

a cabeça roxa, dos anéis penianos.

oh! meu tarô macabro,
misândrico,

a corda presa ao primeiro gancho do mundo:
o enforcado.

*

desde então a lua canta o seu próprio derretimento.

as radiografias saem das gavetas à noite,
deitam-se na terra

e encaixam-se umas às outras
misteriosamente.

hosana nas funduras,

aqui os esqueletos conversam como ventríloquos.
suas mandíbulas se abrem e se fecham,

(mas não dá para saber de quem é o braço que os controla.
de onde vem a voz).

*

ouvíamos no quarto,
lembras?

juro-te, cantavam o teu nome,
a torre.

inspiravam medo.

*

sei que estávamos ali.

os pesquisadores tentaram nos chamar;
os bolsistas capes/cnpq,

os doutores,

o baixíssimo laboratório.

alguém diria que o coveiro se ergueu, iluminado —
sobre o barro que ele mesmo amontoou,

com sua pá.

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