segunda-feira, 23 de julho de 2012

POEMAS DE RONALD POLITO


ZERO GRAU

 aqui —
casa quarto cadeira
aqui —
é possível deter
o mecanismo dos relógios
um a um
aqui —
depois das montanhas está o mar
depois do mar
não há nada
não se aproxima o céu
nem mesmo há
terra à vista
aqui

 
COLETA DE DADOS
 (alguns momentos antes)

toda semente hesita
por duas vidas
ponteiros giram
porque não há retorno
entre arco e alvo
uma flecha de deslize
uma pálpebra uma nuvem
um oriente um atol
cada palavra sem papel

viver seria um jeito de desistir

   
EM LIBERDADE
 (instantâneo)

um piscar de olhos
uma ruga
um suspiro

arrepio
pulsação

— um rol quase exaustivo
de gestos mínimos

 
VÃO
 
Essa pele de luz que banha
as plantas, a varanda, e se arremessa
em espirais de fluxos,
vertigens, centelhas de lendas
indecisas, colares de deslizes,
penetrando sem pedir licença
para trazer tudo à tona,
à sua própria lancetada superfície,
essa fímbria de palidez
e desprendimento que passa
de olhos fechados maculando
com maquinarias de sombras
os móveis, quadros, aposentos, não,
não há como deter o espanto,
o corpo que salta sem asas
do sonho turvo para o trabalho
indecifrável (seu segundo turno
no escuro) de reconhecer,
tateando, os pontos cegos
e mecanismos, o inespecífico,
aglomerações de cinzas.


MUDA
 
silêncio sem fim
um grito em um estojo
— para não esquecer —
entre suspiros           afora
rumores de golpes
— ruídos

 
SEU NOME

(numa fração de segundo)

passou
entre os dedos

uma palavra e
dois silêncios

a presença
de uma ausência.


 BÁRBARO

 morder sem pensar, só pensar
se morder

Armando Freitas Filho

Um tipo de bicho,
de vírus, vampiro, um clone
mix de ventríloquo
e mímico, sim, anjo
sardônico (demasiado
humano), caracol
com cauterização e gana.

É a hora
do monstro (meu nome é
multidão), do máximo
denominador comum.
Exaustivo mesmo
quando improvisa, no atropelo
desse instante de sangue
correndo solto, sem futuro,
que ele engole ou cospe
desavisado, unânime.


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