Caros, eu sempre tive muito interesse pela cultura japonesa: por sua poesia, arquitetura, filosofia, música, artes tradicionais e lutas marciais – sou praticante de aikidô há alguns anos. Porém, nunca fui zen-budista, no sentido de prática religiosa e filosófica regular. Já estive em templos, li muita coisa a respeito e pratiquei meditação, mas nunca manifestei nenhuma profissão de fé. Sou ateu desde os 10 anos de idade, e meu interesse pela cultura japonesa nada tem a ver com uma busca do divino ou algo assim. Gosto de sentir a paixão, a fúria, o desejo, e não saberia cultivar o desapego e a vacuidade; não quero sair do samsara, mas ter o máximo de experiências prazerosas possíveis no tempo que me resta nesta vida. Por isso, sempre fico surpreso quando sou chamado de “poeta zen”. Escrevi alguns poemas de temática oriental, assim como escrevi outros a partir de diálogos com Dante, Sêneca ou Shopenhauer, mas não posso declarar que sigo uma doutrina como o budismo, pelo qual sinto admiração estética e intelectual.
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Gosto muito da poesia e dos ensaios de Lezama Lima, Severo Sarduy, Roberto Echavarren, Nestor Perlongher e já organizei e traduzi uma antologia intitulada Jardim de Camaleões – A Poesia Neobarroca na América Latina (São Paulo: Iluminuras, 2004). Também publiquei vários livros com traduções do cubano José Kozer, do argentino Reynaldo Jiménez, do uruguaio Victor Sosa e do dominicano León Félix Batista. Escrevi artigos e organizei cursos sobre o chamado Neobarroco, uma das tendências mais inventivas da poesia contemporânea, e não apenas no âmbito da língua espanhola. Isto não significa que a minha poesia seja neobarroca. Com certeza, há nela ecos de minhas leituras e estudos de Kozer e Lezama, mas também há ressonâncias de Maiakovski, Bashô, Celan, Helder e outros poetas que admiro. Acho muito redutor o rótulo “neobarroco” – há também expressionismo em muitos poemas que escrevi, além de minha contribuição pessoal, fruto de minhas próprias vivências e buscas. Rotular um poeta é um modo fácil de não pensar em profundidade sobre ele; infelizmente, é a tendência hegemônica na crítica literária brasileira hoje – basta aplicar um rótulo no poeta e encaixá-lo em alguma prateleira, para evitar o incômodo da reflexão em profundidade.
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Claro: sou leitor constante da poesia, dos ensaios e traduções de Augusto e Haroldo de Campos, a quem devo muito. Minha formação literária começou com os estudos que eles fizeram de Mallarmé e James Joyce. Isto não significa que eu seja “concretista”, pelo motivo óbvio de que nunca escrevi poemas concretos. Fiz algumas poucas experiências no campo da poesia visual, publicadas na década de 1990 na revista Dimensão e que não incluí em livro. Meu trabalho sempre esteve relacionado à poesia escrita, “verbal”, embora não tenha nenhum tipo de preconceito contra experiências poéticas realizadas nas mídias eletrônicas, por pessoas mais competentes do que eu nesse campo, como Arnaldo Antunes, Élson Fróes, André Vallias, Márcio-André, Gabriela Marcondes, entre outros. O próprio Haroldo, aliás, escreveu pouquíssimos poemas concretos, no sentido estrito do termo, embora o rótulo o acompanhasse por toda a vida.
Por que faço estas íntimas confissões aqui na Pele de Lontra, poucas horas antes de pegar o avião para ir a Ouro Preto?
Apenas para perturbar os incautos e aqueles de pensamento ocioso: na escrita de qualquer autor há muito mais significados dos que um simples rótulo possa exprimir.
Besos,
Claudio Daniel
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