quinta-feira, 13 de agosto de 2009

ANTOLOGIA ALEATÓRIA (III)

OS GUAPÉS

O que comove nos guapés é o tamanho: microcães menores do que um camundongo doméstico, são em tudo idênticos aos jaguaras que povoam as malocas de pulga e uivo.

Intensos, mínimos, replicantes, latem muito, principalmente quando em fuga, um latido agudo e aflitivo feito agulhas a crivarem vosso tímpano.

Quem nos dá ciência dos guapés são os índios kaxuianas, do Alto Amazonas, descrevendo-os como pequenos monstros traiçoeiros capazes de penetrar a vagina das mulheres grávidas, se dormem desprevenidas, e aí então motivando um desastre de consequências imprevisíveis — sobretudo com a furiosa devoração do feto baixo esganiçadas mordidas.

Segundo alguns sertanistas, não há, contudo, espetáculo mais desconcertante do que flagrar, no oco de velhas árvores ou em buracos cavados próximo à barranca dos rios, uma ninhada de guapés jovens — os microscópicos filhotes agitando os rabinhos, enroscando-se e mordendo-se uns aos outros ou disputando, das cadelas, as tetículas inverossímeis.

Ao pressentirem movimentação estranha, ganem e uivam, em fuga, desaparecendo sob o mato rasteiro, como se nunca, em tempo algum, houvessem existido.

(Conto de Wilson Bueno, do livro Jardim Zoológico. São Paulo: Iluminuras, 1999.)

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