quinta-feira, 30 de julho de 2009

ONTEM E HOJE

Caros, o poeta Augusto de Campos escreveu certa vez, no livro Verso Reverso Controverso, que “o novo que foi novo é tão novo quanto o mais novo novo”.

Isto significa que uma canção do século XII do poeta-músico provençal Raimbaut d’Aurenga, por exemplo, não é menos nova que uma canção de Arnaldo Antunes.

Porque o grau de informação nova de uma obra de arte não é determinado pelo ano em que foi criada, e sim pela sua incorporação (ou não) em nosso repertório cultural, em nossa sensibilidade.

Quando ouvimos uma canção de Arnaut Daniel, ela nos surpreende por vários motivos: pela riqueza do texto (e a inusitada construção de rimas, como em L’aura Amara), pela entonação, ritmo, instrumentação, pelo modo como palavras e música são combinados, enfim, por todos os elementos que formam a canção.

Do mesmo modo, ficamos surpresos quando ouvimos a música do teatro nô ou cantos tibetanos. Ou uma composição de Pixinguinha. Ou um coral de Bach. Ou uma canção de Caetano Veloso, do disco Araçá Azul, por exemplo.

Não digo isso para dizer que o passado é melhor que o presente, mas para afirmar que a informação nova é aquela que ainda hoje causa estranheza, porque não foi totalmente assimilada.

Já uma música composta hoje, mesmo sendo de boa qualidade, pode não ter nenhuma informação estética nova, se apenas repete ritmos, melodias, estilos e formações instrumentais que todos estamos carecas de conhecer.

Por essas e outras que não podemos entender a arte, qualquer arte, a partir do tempo histórico apenas; caso contrário, não faria sentido algum ler Homero ou Shakespeare hoje, se eles se referem a épocas e países tão diferentes dos nossos.

Se lemos esses autores hoje é porque eles ainda têm muito o que dizer, tanto no sentido referencial (os temas básicos do amor, da morte, da luta, do sofrimento e da transcendência são atemporais) quanto no sentido estético.

Grandes artistas (que Pound chamava de inventores) vencem o Senhor Tempo e são sempre atuais, porque inesgotáveis: alguém já conseguiu exaurir tudo da Divina Comédia de Dante? Ou dos Lusíadas de Camões?

Já um poema meia-boca, que lemos a primeira vez e basta, como os de Adília Lopes, Cacaso ou Francisco Alvim, não trazem nenhuma informação nova, e por isso são dispensáveis.

O que importa, a meu ver, é buscar a informação nova tanto no passado quanto no presente, tanto nos autores novos quanto nos clássicos, dentro da visão que Haroldo de Campos chamava de sincrônica.

Valorizar apenas o passado e dizer que nada de bom existe hoje é sem dúvida uma atitude míope ou reacionária; mas olhar apenas o presente e deixar de lado o que há de mais radical e inventivo na tradição é tolice.

Eu não abro mão de ler sempre Matsuo Bashô, Maiakovski, Li T'ai Po, Helder, Celan, Safo, João Cabral, Lezama Lima, e nem por isso deixo de me entusiasmar por Camila Vardarac, poeta carioca de 21 anos, ou Nicollas Ranieri, poeta mineiro de 18 anos, ambos mais amadurecidos do que muitos poetas de minha geração.

Leio apenas aquilo que me ensina algo que eu ainda não sei; o poema que tem a capacidade de sempre me acrescentar alguma coisa, não importa se escrito neste ano ou no segundo milênio antes de Cristo.

Arte não tem idade. Tem (ou não) qualidade estética. Essa é a questão.

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