terça-feira, 7 de julho de 2009

A CRÍTICA LITERÁRIA REFLETE A CRIAÇÃO POÉTICA CONTEMPORÂNEA?

Leda Tenório da Motta: a resposta é mais: não! Temos surtos de mapeamento, listagens, classificações empenhadas. Recenseamentos sazonais avulsos e como que piedosos. A uma dessas intervenções devemos — de resto — a descoberta de Ana Cristina César. Mas isso não faz uma cultura da coisa. A exceção é aquela prestimosa coleção de livros da Duas Cidades — a ClaroEnigma — , que, no final dos anos de 1980, não apenas captou uma esparsa, inédita e pulsante produção brasileira, mas a estudou em orelhas e prefácios assinados, alentados e sofisticados, dotando gente praticamente desconhecida — Age de Carvalho, Paulo Henriques Brito, Rubens Rodrigues Torres Filho, Sebastião Uchoa Leite, entre outros — do melhor e mais belo aparato crítico. Sob a direção de um então também desconhecido — Augusto Massi —, que depois se voltaria para outras artes, essa pequena biblioteca de novos foi um gesto de ópera, no melhor sentido da expressão.

Aurora Bernardini: a crítica literária dá conta hoje, de avaliar uma criação poética contemporânea? A avaliação de uma pedra preciosa implica a verificação do preenchimento ou menos de certas condições exigidas por critérios tradicionalmente estabelecidos de preciosidade: luz, pureza, lapidação etc. Na avaliação de uma criação artística há critérios estáveis somados a critérios que necessariamente mudam conforme os tempos, logo a boa crítica literária dará, sim, conta da avaliação de uma criação artística, de qualquer época, mas não em qualquer época. A resposta abaixo explica o porquê. A crítica literária reflete a criação poética contemporânea? Em parte. Só se os critérios de fatura de dada obra contemporânea estiverem dentro do alcance dos critérios de avaliação dos valores imanentes, estáveis (Hartmann, Ingarden, Argan, Ostrower, Candido...) e dos que mudaram na crítica, até então (especialmente os concernentes a função da obra). Se os artistas são “as antenas da raça” (Pound), o máximo que pode fazer a crítica é acompanhá-los e validá-los ou não. (Às vezes, descobri-los ou redescobri-los). Ela pode se mover mais lentamente, mas ela chega lá. Por isso, cuidado: todos os criadores podem chegar à sua “expressão” (Bakhtin), mas apenas poucos entre os que chegarem à sua expressão poderão vir a ser considerados verdadeiros artistas.
Carlos Felipe Moisés: se por “refletir” entendermos ecoar, repercutir, desdobrar, eu sem hesitar diria que reflete, sim, não tem como escapar disso. Tirante o caso do crítico megalômano, excessivamente cioso de luz própria (portanto, o mau crítico ou o pseudocrítico), a crítica vai sempre atrás, é atividade subsidiária, dependente; sua função é de caixa de ressonância. Mas não é uma atividade meramente passiva, o que valeria dizer irrelevante ou dispensável. A boa crítica desmonta, analisa, interpreta, permitindo que venha à tona, e se faça compreensível, aquilo que na criação poética está apenas latente.
Victor da Rosa: faz tempo que os jornais não dão conta mais de nada. Jornais são instituições muito mais duras e muito mais comprometidas do que qualquer outra. E não acredito na possibilidade de um crítico andar de mãos dadas com a instituição. Oswald já nos mostrou, em ato, que a instituição é vegetariana. Mas esta já é outra história. De qualquer modo, eu leio cada vez menos jornais. Em todo caso, é cada vez mais inútil.

(Leia a íntegra deste debate na edição de agosto da Zunái.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário