terça-feira, 21 de julho de 2009
DO LIVRO POETA EM NOVA YORK (X)
TUA INFÂNCIA EM MENTON
Sim, tua infância já fábula de fontes.
Jorge Guillén
Sim, tua infância já fábula de fontes.
O trem e a mulher que farta o céu.
Tua solidão esquiva nos hotéis
e tua máscara pura de outro signo.
É a infância do mar e teu silêncio
onde os sábios vidros se quebravam.
É tua hirta ignorância onde esteve
meu torso limitado pelo fogo.
Norma de amor te dei, homem de Apolo,
pranto com rouxinol alucinado,
porém, pasto de ruína, te afiavas
para os breves sonhos indecisos.
Pensamento de frente, luz de ontem,
índices e sinais do acaso.
Tua cintura de areia sem sossego
atende apenas rastros que não escalam.
Porém eu hei de buscar os recantos
tua alma tíbia sem ti que não te entendes,
com a dor de Apolo detido
com que rasguei a máscara que vestes.
Ali, leão, ali, fúria do céu,
te deixarei pastar em minhas faces;
ali, cavalo azul de minha loucura,
pulso de nebulosa e ponteiro,
hei de buscar as pedras de lacraias
e os vestidos de tua mãe menina,
prato de meia-noite e pano roto
que tirou a lua da face do morto.
Sim, tua infância já fábula de fontes.
Alma estranha de meu oco de veias,
hei de te buscar pequena e sem raízes.
Amor de sempre, amor, amor de nunca!
Oh, sim! Eu quero. Amor, amor! Deixai-me.
Não me tapem a boca os que procuram
espigas de Saturno pela neve
ou castram animais por um céu,
clínica e selva da anatomia.
Amor, amor, amor. Infância do mar.
Tua alma tíbia sem ti que não te entendes.
Amor, amor, um vôo da corça
pelo peito sem fim da brancura.
E tua infância, amor, e tu infância.
O trem e a mulher que farta o céu.
Nem tu, nem eu, nem o ar, nem as folhas.
Sim, tua infância já fábula de fontes.
Tradução: Claudio Daniel
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