domingo, 20 de outubro de 2013

MAIS VASKO POPA


BATATA

Escura misteriosa
Face da terra

Com dedos de meia-noite
A língua do sempre-meio-dia
Fala

Lembrança invernal
Com súbitas alvoradas
Lança brotos

Tudo porque
No seu coração
Dorme o sol


A TORRE DE CAVEIRAS

Torre da morte

Nos ossos frontais tremeluz
Uma terrível lembrança

Das órbitas ocas
Fita até o fim do mundo
Um presságio negro

Entre maxilares roídos
Cravou-se extrema
E enorme maldição

Em torno da morte
Emparedados na torre
Crânios dançam
A última dança estrelada

Torre da morte
A castelã assusta-se
De si mesma


O SOL DA MEIA-NOITE

Do ovo negro gigante
Brotou um sol qualquer

Reluziu-nos nas costelas
Escancarou o céu
Wm nosso peito órfão

Não se pôs
Tampouco despontou

Tudo em nós aurificou
Nada esverdeceu
Em torno de nós
Em torno do ouro

No coração vivo
Tornou-se nossa lápide


ATÉ LOGO

Depois da terceira ronda noturna
No pátio do campo de concentração
Nos dispersamos pelas celas

Sabemos que de madrugada
Um de nós será fuzilado

Sorrimos com conjura
E sussurramos um ao outro
Até logo

Não dizemos onde e quando

Abandonamos velhos hábitos
Nos entendemos muito bem


NO SUSPIRO

Pelas estradas da profundeza da alma
Pelas estradas azul-celeste
A erva-daninha viaja
As estradas se perdem
Sob os pés

Enxames de pregos violentam
As plantações cansadas
As lavouras desaparecem
Do campo

Lábios invisíveis
Apagaram o campo

A dimensão triunfa
Encantada pelas palmas de suas mãos lisas
Cinzalisas


CRÍTICA DA POESIA

Depois da leitura de poemas
No serão literário da fábrica

Um ouvinte ruivo
De face marcada por manchas solares
Ergue dois dedos

Camaradas poetas

Se eu lhes versificasse
Toda a minha vida
O papel ficaria rubro

E pegaria fogo

Tradução: Aleksander Jovanovic

(Do livro Osso a osso. São Paulo: Perspectiva, 1989)



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