BATATA
Escura misteriosa
Face da terra
Com dedos de meia-noite
A língua do sempre-meio-dia
Fala
Lembrança invernal
Com súbitas alvoradas
Lança brotos
Tudo porque
No seu coração
Dorme o sol
A TORRE DE CAVEIRAS
Torre da morte
Nos ossos frontais tremeluz
Uma terrível lembrança
Das órbitas ocas
Fita até o fim do mundo
Um presságio negro
Entre maxilares roídos
Cravou-se extrema
E enorme maldição
Em torno da morte
Emparedados na torre
Crânios dançam
A última dança estrelada
Torre da morte
A castelã assusta-se
De si mesma
O SOL DA MEIA-NOITE
Do ovo negro gigante
Brotou um sol qualquer
Reluziu-nos nas costelas
Escancarou o céu
Wm nosso peito órfão
Não se pôs
Tampouco despontou
Tudo em nós aurificou
Nada esverdeceu
Em torno de nós
Em torno do ouro
No coração vivo
Tornou-se nossa lápide
ATÉ LOGO
Depois da terceira ronda noturna
No pátio do campo de concentração
Nos dispersamos pelas celas
Sabemos que de madrugada
Um de nós será fuzilado
Sorrimos com conjura
E sussurramos um ao outro
Até logo
Não dizemos onde e quando
Abandonamos velhos hábitos
Nos entendemos muito bem
NO SUSPIRO
Pelas estradas da profundeza da alma
Pelas estradas azul-celeste
A erva-daninha viaja
As estradas se perdem
Sob os pés
Enxames de pregos violentam
As plantações cansadas
As lavouras desaparecem
Do campo
Lábios invisíveis
Apagaram o campo
A dimensão triunfa
Encantada pelas palmas de suas mãos lisas
Cinzalisas
CRÍTICA DA POESIA
Depois da leitura de poemas
No serão literário da fábrica
Um ouvinte ruivo
De face marcada por manchas solares
Ergue dois dedos
Camaradas poetas
Se eu lhes versificasse
Toda a minha vida
O papel ficaria rubro
E pegaria fogo
Tradução: Aleksander Jovanovic
(Do livro Osso a osso. São Paulo: Perspectiva, 1989)
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