A
poesia de Augusto de Campos situa-se no campo das vanguardas da segunda metade
do século XX e início do XXI. Sua estratégia busca novos procedimentos de criação artística,
mesclando recursos da poesia, das artes visuais, da publicidade, da música e
das tecnologias digitais, seguindo o projeto de unir palavra, som, imagem e
movimento numa unidade estrutural. O conceito de invenção, formulado por Ezra
Pound, é essencial para a compreensão do pensamento e da prática poética do
autor, voltado à pesquisa e experimentação de linguagem em diversos suportes,
como o holograma, o móbile, o CD ou o videoclipe.
A
proposta da Poesia Concreta tem como principal referência histórica o poema
espacial Um Lance de Dados (1894) de Mallarmé, em que as
palavras são dispostas de maneira geométrica na página, permitindo várias
possibilidades de leitura, empregando ainda diferentes corpos de letras e
fontes tipográficas, itálicos e negritos. A experiência de Mallarmé influenciou
ainda os Caligramas (1918) de Apollinaire, em que cada
poema tem uma organização visual relacionada ao seu tema (por exemplo, palavras
dispostas na forma de um cachimbo, de uma pomba ou de uma fonte de água).
Outras referências importantes para os concretistas foram os Cantos, de Ezra Pound, o Finnegans Wake, de James Joyce,
e a poesia de e. e. cummings. No Plano-piloto
da Poesia Concreta, publicado em 1958, os poetas concretos formalizam o seu
pensamento estético, que seria desenvolvido em vários manifestos e artigos
posteriores, reunidos na Teoria
da Poesia Concreta (1975).
A
Poesia Concreta surge num momento histórico em que a sociedade brasileira vive
um breve período de democracia política, acompanhada pelo surto
desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, que culminou com a
construção de uma nova capital para o país, Brasília, projetada pelo arquiteto
Oscar Niemeyer. Nesta época, em que também se aceleram a urbanização e a
industrialização, com investimentos de capital estrangeiro, “surgem os
primeiros filmes do Cinema Novo (...), Grande
Sertão: Veredas, o
Teatro de Arena, a Bossa Nova, João Gilberto, as vanguardas na poesia e nas
artes plásticas”[3],
como assinalam Iumna Maria Simon e Vinícius Dantas. Ao mesmo tempo, há um
crescimento dos movimentos sociais, que demandam a reforma agrária e outras
mudanças na economia e na política do país, acirrando os conflitos com os
setores conservadores, que irão apoiar o golpe militar de 1964.
Augusto
de Campos adere a uma poesia participante desde 1961 com o poema Greve, que concilia a invenção
de linguagem com temas de caráter político e social, adotando como lema a frase
de Maiakovski: “Sem forma revolucionária não existe arte revolucionária”. Nesta
época, aliás, Augusto e Haroldo de Campos estudam o idioma russo com Boris
Schnaiderman, na Universidade de São Paulo, para traduzir poemas de Maiakovski,
Khlébnikov, Krutchonik e outros autores de vanguarda russa, reunidos na
antologia Poesia Russa Moderna (1968). A temática social está
presente em outros poemas de Augusto de Campos, como Luxo / Lixo (1965), construído como paródia das
logomarcas comerciais, e na série de poemas-cartazes Popcretos (1964-1966), que afirmam a contestação
da ordem econômica e política pelo trabalho criativo com a linguagem. Em Psiu, poema circular construído
a partir da colagem de textos e imagens recortados de jornais e revistas,
podemos ler, por exemplo, a frase “Saber viver, saber ser preso, saber ser
solto” junto a outros retalhos semânticos como “bomba”, “dinheiro”, “amar”,
“vamos falar”, “livre” e “paz”, além de “pedaços de mensagens comerciais,
referências à ditadura militar e aos atos institucionais”[4],
como observou Flora Sussekind. Já no
poema Cidade (1963), Augusto de Campos faz uma
representação irônica do movimento caótico, acelerado e ruidoso da vida urbana,
aglutinando, numa única linha, fragmentos de palavras em diversos idiomas,
formando uma frase quase impronunciável
(“atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubrimendimultipliorganiperiodiplastipublirapareciprorustisagasimplitenaveloveveravivaunivoracidade
city cite[5]”).
Este poema permite diferentes possibilidades de leitura, pela combinação e
permutação de prefixos e sufixos presentes na frase, aglutinados ao substantivo
“cidade”, gerando significados como “atrocidade”, “caducidade”, “causticidade”,
“ferocidade”, entre outros. Uma experiência similar a esta é o Colidouescapo (1971), livro-poema composto de folhas
soltas em que estão escritos diversos fragmentos de palavras que podem ser
combinados de modo aleatório pelo leitor, que participa assim da construção do
sentido, numa leitura interativa.
Poemóbiles (1974), conjunto de doze poemas-objeto coloridos
tridimensionais, desenvolvidos em parceria com Júlio Plaza, também solicita a
participação visual e tátil do leitor, já que cada uma dessas peças pode ser
manipulada, como as esculturas móveis, ou móbiles,
de Alexander Calder, conduzindo a diferentes interpretações. O poema Viva Vaia, que integra esta
série, chama a atenção pela tipologia empregada, que abole as fronteiras entre
palavra e imagem: os signos visuais podem ser “lidos” como letras (sons /
idéias) e ainda como formas plásticas, recuperando a dimensão visual da
escrita. Este é um dos aspectos centrais na poesia de Augusto de Campos, e
atinge o seu ponto de maior desenvolvimento na Caixa Preta (1975), conjunto de poemas visuais e
poemas-objeto elaborados novamente em parceria com Júlio Plaza, no qual se
destaca o poema Pulsar, em
que letras do alfabeto estilizadas mesclam-se a sinais gráficos como círculos e
estrelas, que substituem as vogais. A peça foi musicada por Caetano Veloso, e
consta na gravação em vinil que acompanha a Caixa Preta.
A obra
de Augusto de Campos só obteve maior circulação a partir do final da década de
1970 com a publicação da antologia Viva
Vaia (1949-1979), que reúne
parte considerável de sua produção poética. Entre 1979 e 2003, o poeta publica
duas outras coletâneas com mostras mais recentes de seu trabalho, Despoesia (1994) e Não (2003), sendo que esta última é
acompanhada de um CD-Rom com poemas dinâmicos e interativos do autor elaborados
com o apoio de programas multimídia. Convém destacar o trabalho de Augusto de
Campos na área da crítica literária, com a revalorização de poetas criativos do
passado que se achavam esquecidos, como o romântico Joaquim de Sousândrade, o
simbolista Pedro Kilkerry e os modernistas Oswald de Andrade e Patrícia Galvão
(Pagu), considerados por ele poetas inventores, e ainda o amplo
trabalho que desenvolveu como tradutor de poesia, sendo que seus trabalhos mais
recentes nessa área são Emily
Dickinson: Não sou Ninguém (2008), Byron e Keats: Entreversos (2009) e August Stramm: Poemas-Estalactites (2009).
[1] CAMPOS, Augusto de. Viva Vaia. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2000, 17.
[2] __________. Viva Vaia. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2000, 9.
[3] SIMON, Iumna Maria, e DANTAS, Vinícius. Poesia concreta (coleção
Literatura Comentada). São Paulo: Nova Cultural, 1982, 103
[4] GUIMARÃES, Júlio Castañon e SUSSEKIND, Flora
(organizadores). Sobre Augusto de Campos. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2004, 155.
[5] Campos, Augusto de. Viva Vaia. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2000, 114-115
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