sábado, 11 de agosto de 2012

YUMÊ


 Meu segundo livro de poemas, Yumê, foi publicado em 1999, pela editora Ciência do Acidente (uma segunda edição saiu em 2007, pela Annablume). Leiam abaixo o prefácio do livro, escrito pelo poeta cubano José Kozer.

"Um conhecido dístico, aliás poema (In a station of the metro) de Pound (“The apparition of these faces in the crowd: Petals on a wet, black bough.”) reflete de modo especular o belo poema O um igual a zero, de Claudio Daniel. Arnaut Daniel, o trovador provençal, o trobar clus amado por Pound, amado por Claudio Daniel.

Um resultado é este formoso livro (Yumê), onde Oriente e Ocidente, de modo especular, se sonham, mariposa dentro de mariposa do sonho dentro do famoso sonho deste famoso desconhecido que foi Chuang-Tzu.

Chuang-Tzu, Claudio Daniel, Ezra Pound: nosso poeta brasileiro encerrado como por parêntesis entre duas nobres vozes, dois nobres feitos, que, mais do que clausura, servem de feitura (simbólica) (real) a esta obra. Oriente em Claudio Daniel; Ocidente em Claudio Daniel; o Concretismo, o Neobarroco, a pós-modernidade, a fulgurante jóia límpida de seus poemas sem ornatos; a singeleza da linguagem, que é a complexidade maior da linguagem, e o neobarroquismo expressando desde sua estrita abundância a ulterior singeleza do Oriente, do Ocidente: harmonizados, sintetizados, em obra aparentemente casta e no entanto sensual, luxuriosa; obra aparentemente límpida mas cheia de nuvens, nebulosas, constelações ao ignorado, do (desde o) ignorado; espelhos do caos, esse grande espelhismo.

Um palimpsesto, sem dúvida um palimpsesto: raspamos com o buril do amanuense e debaixo de cada placa, de cada lâmina encontramos outra versão, outra visão do mesmo assédio (especular) que implica uma mesma busca de beleza, que leva (todavia, é válida na boa poesia) ao ulterior: debaixo de todas as capas superpostas de todos os textos de Yumê está a reverberante abundância da vida, suas cores, claridades, sua poeira que como um ponto ressumbra e resume a presença viva, bíblica, da mulher de Lot (Epitáfio para a mulher de Lot). Água que escorre, Cathay ou Cipango que são Brasilis, braços abarcando um orbe (o de Claudio Daniel) que são todos os orbes do Orbe.

Yumê é um camafeu enganoso, que engana o leitor preguiçoso. Este acreditará de pés juntos ter lido um livro despojado, ínfimo, magro. O camafeu é um contorno, uma jóia mínima por certo; porém, no caso de Claudio Daniel, este encerra uma ordenada desordem, uma fragrância inodora, uma multitudinária voz de vozes que, tigre ao final, se prepara para o grande salto que desbaratará, por sua força, por sua vital abundância, os contornos do camafeu: migalhas, invisíveis ao leitor, que se reconformam e fazem de seus fragmentos um novo camafeu, um camafeu chamado Yumê: objeto vivo sem suturas visíveis, contorno dentro do qual o Nada se apresta uma vez mais para o salto (assalto), pela via poética, da Totalidade."


2 comentários:

  1. Rafael Marques12.8.12

    Agora posta a orelha do Régis.

    ResponderExcluir
  2. Realmente, Régis Bonvicino escreveu o texto de orelha da primeira edição de Yumê (1999), onde afirma: "Claudio Daniel é, sem dúvida, um poeta com resultados e repertório bem acida da média dos que escrevem nos últimos dez anos, pelo menos (...) Claudio, com refinada técnica e sentidos em estado de alerta, se propõe ao diálogo. Com os simbolistas, como Ernâni Rosas, com o melhor Haroldo de Campos, com a vida e a visualidade de um certo Oriente, com o neobarroco, com Jorge Luis Borges, com o mundo e consigo mesmo".

    ResponderExcluir