A convite de Haroldo de Campos, publiquei uma antologia de minha obra poética para a coleção Signos, que o poeta dirigia para a Editora Perspectiva: Figuras Poéticas -- Travessia Poética (1983-2003), que contou com texto de apresentação do crítico literário João Alexandre Barbosa, que reproduzo abaixo:
"Escrevendo sobre Mallarmé, Valéry
levanta uma questão de interesse para qualquer aproximação à criação poética: a
relação entre esta criação e as origens mais remotas das funções da linguagem
humana.
É que a poesia, diz ele,
vincula-se, sem nenhuma dúvida, a algum estado dos homens anterior à escritura
e à crítica. Encontro, pois, um homem muito antigo em todo
poeta verdadeiro: ele bebe ainda nas fontes da linguagem; ele inventa
"versos", um pouco como os primitivos melhor dotados deviam criar
"palavras", ou ancestrais de palavras.
Em todo o poema bem realizado, o
leitor há de sentir a palavra como se ela surgisse para uma nomeação
originária, transformando o que se nomeia em algo novo por força da própria
nomeação, conferindo ao poeta características de um oficiante de ritual em que
dominassem os poderes da memória (pela recuperação das fontes da linguagem) e
da magia - pela criação de uma nova realidade que é a poética.
Daí a importância das materialidades
sonora e visual que, somente depois de organizadas num estrutura passada pelos
rigores da sintaxe e da semântica, impõem um outro tipo de racionalidade que é
o poema. É a qualidade encantatória da poesia que faz pensar no poeta como
herdeiro daqueles primeiros homens que inventavam palavras para a nomeação
espantada do mundo.
Creio que a poética desta
antologia de Claudio Daniel, vinte anos de uma travessia, tem como dominante
aquela qualidade. O que significa dizer que o leitor, lendo este livro, é
convidado a se deixar envolver por tudo o que é reverberação de som e imagem,
abdicando da objetividade e mergulhando no tumulto das sensações gravadas na
pele das palavras.
Em todos os poemas, extraídos de
três livros publicados entre 1992 e 2001 (Sutra, Yumê e A
sombra do Leopardo) e do inédito Pequenas aniquilações, passa uma
inquietação que, sendo o registro daquele jogo de encantamento referido, mantém
os textos nos tensos limites do indizível.
Por onde são convocados todos os
valores sensíveis da linguagem mas, atenção! sob o controle estrito de uma
consciência acesa pelos valores da história, seja a circunstancial, seja a da
própria linguagem da poesia.
Daí ser possível, sobretudo nos
primeiros textos, realizar os entrecruzamentos de culturas pela utilização
literal de trechos de obras orientais.
É, mais uma vez, a lição que se
pode extrair do trabalho verdadeiro com a criação: o encanto da poesia, como
queria Valéry ao chamar de Charmes o seu grande livro de 1922, e como
está neste livro, é sempre dependente do trabalho com que se enfrenta o próprio
enigma da invenção."
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