Caros, publiquei em 2001 meu
terceiro livro de poemas, A sombra do
leopardo (1a. edição: Rio de Janeiro: Azougue Editorial; 2a. edição: Rio de
Janeiro, Multifoco, 2010), que ganhou o prêmio Redescoberta da Literatura
Brasileira, oferecido pela revista CULT (o júri era composto por Nelson Ascher,
Waly Salomão e Claudio Willer). Segue abaixo o prefácio do livro, escrito pelo
poeta e crítico literário uruguaio Eduardo Milán.
“Claudio Daniel pertence a uma
linha criativa da poesia brasileira que parte, aproximadamente, de João Cabral
de Melo Neto, atravessa a vanguarda (a poesia concreta, especialmente algumas
buscas de Haroldo de Campos em sua fase poética mais condensada), e toca experiências
de poetas que derivam, numa primeira fase, da experiência concreta paulista.
Estas não são, no caso de Daniel, relações de dependência, mas um sistema
mínimo de referências poéticas que constituem a linhagem necessária para que se
possa falar de um poeta e situá-lo em sua tradição.
Constante uso da elipse,
definição das imagens com alta precisão, tendência à objetivização do verso
como condição de sua existência. O verso é breve, cortado segundo uma
conveniência rítmica, mais do que semântica, porém, devolve todo o espectro do
sentido, de acordo com uma lógica de surpresa, dada pelo mesmo corte no
aparecer do verso seguinte, abaixo. Alguns motivos que se repetem: a palavra,
naturalmente, o silêncio, a cultura in extensu.
O mundo dado por partes (metonímia,
ainda que, também, e surpreendentemente, metáfora, metáfora crítica surgida às
vezes das relações latentes que emergem na cadeia significante como
conseqüência da organização verbal). Ou, às vezes, a metáfora como dispositivo
gerador do poema, do qual descenderão outras possíveis relações verbais. Um
acréscimo de Claudio Daniel à poesia urbana e pós-concreta brasileira: o apelo
a um universo mítico, dado não por paródia de discurso fundador, senão por
referências — o mito como possibilidade poética que se oferece, de forma
parcelada, no mundo.
Os poemas intentam alinhavar uma
narração, na medida do possível poético contar uma história por imagens,
alinhavar por imagens um tecido que se cria por impressões da existência.
Também está presente a figura totêmica da poesia pós-mallarmeana, a página,
colocada aí como um suporte quase mítico. A brancura da página está (porém, nem
sempre se deixa ver) como referência atualizante, como homenagem —, para fazer
constar que Claudio Daniel também esteve aí. Diria que em Claudio Daniel o
motivo poético central, em sua relação com a poesia brasileira, é reconstituir
a estrutura verbal, encarnar o osso verbal que, em seu polimento maior, havia
feito aparecer a vertente Cabral/poesia concreta. Porém, não se trata de um
retorno, senão de uma contribuição a um ordenamento da mesma ação.
Biografias de culturas,
biografias de certos personagens culturais (Dante, Nagarjuna etc.) são
recortes, impressões de leituras, intuições líricas: a cultura como documento
interior. São projeções do falante, fragmentos civilizatórios. Nenhuma cultura
cabe em uma voz (a prova de Pound dos Cantares). São impressões,
imagens. Mas isto parece um reconhecimento, por parte de Claudio Daniel, de que
não há possibilidade de poesia na atualidade que não tenha uma relação dinâmica
com a cultura, dinâmica e evidente. Claudio Daniel é um lírico cultural.
Ao fim de A sombra do leopardo,
os poemas caem na tematização do poema — o poema como tema — e na tematização
dos arredores do poema, seu âmbito, que, aqui, é existência. Aparece, então, a
miséria do poema, sem a qual, pareceria, nenhuma aventura poética autêntica
pode ser considerada na atualidade.”
Coyoacán, 2000
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