sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A SOMBRA DO LEOPARDO




Caros, publiquei em 2001 meu terceiro livro de poemas, A sombra do leopardo (1a. edição: Rio de Janeiro: Azougue Editorial; 2a. edição: Rio de Janeiro, Multifoco, 2010), que ganhou o prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira, oferecido pela revista CULT (o júri era composto por Nelson Ascher, Waly Salomão e Claudio Willer). Segue abaixo o prefácio do livro, escrito pelo poeta e crítico literário uruguaio Eduardo Milán.

“Claudio Daniel pertence a uma linha criativa da poesia brasileira que parte, aproximadamente, de João Cabral de Melo Neto, atravessa a vanguarda (a poesia concreta, especialmente algumas buscas de Haroldo de Campos em sua fase poética mais condensada), e toca experiências de poetas que derivam, numa primeira fase, da experiência concreta paulista. Estas não são, no caso de Daniel, relações de dependência, mas um sistema mínimo de referências poéticas que constituem a linhagem necessária para que se possa falar de um poeta e situá-lo em sua tradição.

Constante uso da elipse, definição das imagens com alta precisão, tendência à objetivização do verso como condição de sua existência. O verso é breve, cortado segundo uma conveniência rítmica, mais do que semântica, porém, devolve todo o espectro do sentido, de acordo com uma lógica de surpresa, dada pelo mesmo corte no aparecer do verso seguinte, abaixo. Alguns motivos que se repetem: a palavra, naturalmente, o silêncio, a cultura in extensu.

O mundo dado por partes (metonímia, ainda que, também, e surpreendentemente, metáfora, metáfora crítica surgida às vezes das relações latentes que emergem na cadeia significante como conseqüência da organização verbal). Ou, às vezes, a metáfora como dispositivo gerador do poema, do qual descenderão outras possíveis relações verbais. Um acréscimo de Claudio Daniel à poesia urbana e pós-concreta brasileira: o apelo a um universo mítico, dado não por paródia de discurso fundador, senão por referências — o mito como possibilidade poética que se oferece, de forma parcelada, no mundo.

Os poemas intentam alinhavar uma narração, na medida do possível poético contar uma história por imagens, alinhavar por imagens um tecido que se cria por impressões da existência. Também está presente a figura totêmica da poesia pós-mallarmeana, a página, colocada aí como um suporte quase mítico. A brancura da página está (porém, nem sempre se deixa ver) como referência atualizante, como homenagem —, para fazer constar que Claudio Daniel também esteve aí. Diria que em Claudio Daniel o motivo poético central, em sua relação com a poesia brasileira, é reconstituir a estrutura verbal, encarnar o osso verbal que, em seu polimento maior, havia feito aparecer a vertente Cabral/poesia concreta. Porém, não se trata de um retorno, senão de uma contribuição a um ordenamento da mesma ação.

Biografias de culturas, biografias de certos personagens culturais (Dante, Nagarjuna etc.) são recortes, impressões de leituras, intuições líricas: a cultura como documento interior. São projeções do falante, fragmentos civilizatórios. Nenhuma cultura cabe em uma voz (a prova de Pound dos Cantares). São impressões, imagens. Mas isto parece um reconhecimento, por parte de Claudio Daniel, de que não há possibilidade de poesia na atualidade que não tenha uma relação dinâmica com a cultura, dinâmica e evidente. Claudio Daniel é um lírico cultural.

Ao fim de A sombra do leopardo, os poemas caem na tematização do poema — o poema como tema — e na tematização dos arredores do poema, seu âmbito, que, aqui, é existência. Aparece, então, a miséria do poema, sem a qual, pareceria, nenhuma aventura poética autêntica pode ser considerada na atualidade.”

Coyoacán, 2000

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