Armando Freitas Filho
Pura porque suja, porque ela é
extraída do maciço da linguagem só com a lapidação "de serviço", ou
melhor: o esmero é esmerilhado. A impressão que se tem é que existe um
constante esforço, que não desanima, do caos relativo do pensamento para o
cosmo possível e impossível da escrita.
Outra coisa que chama a atenção é
o universo vocabular que esse esforço agencia: estranho, exigente, mirabolante,
disposto e aberto a toda ousadia. Por isso mesmo, os poemas não se entregam na
primeira leitura. Entre o autor e o leitor, para um bom entendimento do que lhe
é oferecido, é imprescindível que se crie um pacto, que não é pacífico, uma
espécie de luta ou de jogo que não almeja a vitória; seu resultado melhor é o
empate, a empatia, o compromisso assumido, cara a cara.
Também é digno de nota que, coisa
rara, nos livros de Claudio Daniel – um por todos e todos por um – como em Yumê, que se reedita agora, não
há desníveis, há progresso paulatino. Não são somente poemas, um punhado
deles, mas uma poética que vai se formando, e que os vai reunindo
- todos - num mesmo cabo de força, sem deixar que nenhum escape, caia. Não
é, apenas, vocação, é um dom que não deixa a mão afrouxar.
Mais: instinto e razão, reflexo e
reflexão são como motores concomitantes; um não precede o outro, um é o
outro se alimentando, simultaneamente. Claro que podemos preferir ou escolher
para este momento de leitura, alguns dos poemas; mas essa escolha não é definitiva,
e quando os relemos pode haver uma troca de elenco e não seremos levianos ao
agir assim, pois a luz mudou, o momento é diverso. As indecisões relatadas
acompanham o leitor atento às nuanças, de capa a capa: como não ser injusto?
Como ser justo? Compreende-se, depois, que a boa poesia não pede justiça. O que essa poesia pede é necessidade, ela se
faz necessária assim: in totum, já
que nela não há desperdício, nem volubilidade. Ela prefere abrir a fome e
não saciá-la. Talvez por isso, cala fundo. É isto: ela cala fundo.
(Texto de "orelha" da segunda edição de Yumê, que saiu em 2007 pela Annablumme / Dix Editorial.)
(Texto de "orelha" da segunda edição de Yumê, que saiu em 2007 pela Annablumme / Dix Editorial.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário