domingo, 12 de agosto de 2012

POESIA PURA

Armando Freitas Filho

Pura porque suja, porque ela é extraída do maciço da linguagem só com a lapidação "de serviço", ou melhor: o esmero é esmerilhado. A impressão que se tem é que existe um constante esforço, que não desanima, do caos relativo do pensamento para o cosmo possível e impossível da escrita. 

Outra coisa que chama a atenção é o universo vocabular que esse esforço agencia: estranho, exigente, mirabolante, disposto e aberto a toda ousadia. Por isso mesmo, os poemas não se entregam na primeira leitura. Entre o autor e o leitor, para um bom entendimento do que lhe é oferecido, é imprescindível que se crie um pacto, que não é pacífico, uma espécie de luta ou de jogo que não almeja a vitória; seu resultado melhor é o empate, a empatia, o compromisso assumido, cara a cara.  

Também é digno de nota que, coisa rara, nos livros de Claudio Daniel – um por todos e todos por um – como em Yumê, que se reedita agora, não há desníveis, há progresso paulatino. Não são somente poemas, um punhado deles, mas uma poética que vai se formando, e que os vai reunindo - todos - num mesmo cabo de força, sem deixar que nenhum escape, caia. Não é, apenas, vocação, é um dom que não deixa a mão afrouxar.

Mais: instinto e razão, reflexo e reflexão são como motores concomitantes; um não precede o outro, um é o outro se alimentando, simultaneamente. Claro que podemos preferir ou escolher para este momento de leitura, alguns dos poemas; mas essa escolha não é definitiva, e quando os relemos pode haver uma troca de elenco e não seremos levianos ao agir assim, pois a luz mudou, o momento é diverso. As indecisões relatadas acompanham o leitor atento às nuanças, de capa a capa: como não ser injusto? Como ser justo? Compreende-se, depois, que a boa poesia não pede justiça.  O que essa poesia pede é necessidade, ela se faz necessária assim: in totum, já que nela não há desperdício, nem volubilidade. Ela prefere abrir a fome e não saciá-la. Talvez por isso, cala fundo. É isto: ela cala fundo.

(Texto de "orelha" da segunda edição de Yumê, que saiu em 2007 pela Annablumme / Dix Editorial.)




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