Cometi a insensatez de ingressar no curso de Jornalismo,
na remota década de 1980, por acreditar ingenuamente, naquela época, que o
jornalismo era uma trincheira necessária para a “batalha das ideias” e para a
democratização da sociedade. A decisão foi tomada num tempo em que havia
pluralidade ideológica nos jornais: a FALHA de São Paulo, por exemplo,
publicava artigos de Luiz Carlos Prestes, Florestan Fernandes, Marilena Chauí,
ao lado de “pérolas” de Plínio Correia de Oliveira – guru da TFP --, Jorge Boaventura e outros próceres do fascismo caboclo. Havia
reportagens investigativas sérias, como as de Ricardo Kotscho e Clóvis Rossi
(naquela época, um ser pensante melhor do que é hoje). Havia correspondentes
internacionais nas principais capitais do mundo e bons suplementos de cultura,
tanto na FALHA quanto no ESGOTÃO. A partir de 1983-4, quando me formei, porém,
as coisas começaram a mudar: os grandes jornais diários informatizaram as
redações, demitiram os revisores (o que explica o péssimo português da mídia
impressa), demitiram gradualmente os velhos jornalistas e correspondentes
internacionais, passando a publicar, exclusivamente, press releases das
agências de notícias norte-americanas. Os cadernos de cultura foram sendo
fechados, um a um, e os cadernos de “variedades” passaram a dar prioridade ao
mundo do entretenimento e da “literatura de mercado”. O pluralismo ideológico
desapareceu após o fim da ditadura: os jornais tiraram a máscara de “defensores
da liberdade e da democracia” e assumiram o discurso único, regido pelos
valores do neoliberalismo, que perdura até os dias atuais.
O que fazer, com o diploma de jornalista debaixo do braço e a necessidade de ingressar no mercado de trabalho? Meu primeiro posto profissional foi na antiga Editora Universo (uma empresa do Grupo Abril, responsável pela edição da versão brasileira da Enciclopédia Larousse). Havia um clima bastante descontraído e irreverente na redação, flexibilidade de horários e pouca pressão da diretoria, ao contrário do que acontece hoje. Como redator da enciclopédia, fiz algumas traquinagens: criei um verbete para Ivan Iakovlev Templiakov, suposto matemático, filósofo, poeta e astrofísico soviético, autor da teoria da biocinética estelar, que faleceu aos 101 anos em Miami, nos braços de sua amante, Dorothy Grace, de 18 aninhos. Construí o verbete com tal secura e precisão de informações que ele permaneceu em todas as futuras edições da enciclopédia, gerando inclusive artigos, livros e dossiês sobre tão proeminente sábio do século XX (os autores de tais trabalhos, evidentemente, conheciam a farsa). O que escrevi como brincadeira, de certo modo, reflete minha opinião sobre a mídia: não importa a “verdade” ou “mentira” de um fato, se é noticiado, passa a ser considerado, pela maioria das pessoas, como “realidade”. Aprendi, por experiência própria, que o jornalismo é exatamente isso, a produção ideológica de uma suposta “realidade”, com o objetivo de influenciar a sociedade, de acordo com interesses específicos (em meu caso, o da sátira).
Em 1988, a CUT convocou uma greve geral contra a política recessiva de Sarney. Fui de mesa em mesa, convoquei meus colegas para uma assembléia, defendi a proposta da paralisação e ela foi apoiada por imensa maioria. Resultado: tive a honra de organizar a única greve em uma das empresas do Grupo Abril naquele período. No ano seguinte, criamos na redação um comitê informal de apoio à candidatura de Lula, pela Frente Brasil Popular (PT-PCdoB-PCB-PSB), fato que hoje seria impossível em qualquer redação da grande mídia. Organizamos bocas-de-urna, distribuímos panfletos e, sobretudo, convencíamos os colegas a votarem em Lula. Nossa alegria terminou com a vitória discutível de Fernando Collor de Mello nas eleições presidenciais (a partir do boato de que o empresário Abílio Diniz teria sido sequestrado pelo PT, além da edição pela Rede Goebbles do debate entre Lula e Collor, para favorecer este último, entre muitas outras ações da mídia golpista, no sentido de fabricar uma realidade que prejudicasse a vitória de Lula). Fomos demitidos, todos nós, em 1990, após a conclusão dos trabalhos da Enciclopédia, e o que aconteceu depois comentarei em outro capítulo desta emocionante novela.
O que fazer, com o diploma de jornalista debaixo do braço e a necessidade de ingressar no mercado de trabalho? Meu primeiro posto profissional foi na antiga Editora Universo (uma empresa do Grupo Abril, responsável pela edição da versão brasileira da Enciclopédia Larousse). Havia um clima bastante descontraído e irreverente na redação, flexibilidade de horários e pouca pressão da diretoria, ao contrário do que acontece hoje. Como redator da enciclopédia, fiz algumas traquinagens: criei um verbete para Ivan Iakovlev Templiakov, suposto matemático, filósofo, poeta e astrofísico soviético, autor da teoria da biocinética estelar, que faleceu aos 101 anos em Miami, nos braços de sua amante, Dorothy Grace, de 18 aninhos. Construí o verbete com tal secura e precisão de informações que ele permaneceu em todas as futuras edições da enciclopédia, gerando inclusive artigos, livros e dossiês sobre tão proeminente sábio do século XX (os autores de tais trabalhos, evidentemente, conheciam a farsa). O que escrevi como brincadeira, de certo modo, reflete minha opinião sobre a mídia: não importa a “verdade” ou “mentira” de um fato, se é noticiado, passa a ser considerado, pela maioria das pessoas, como “realidade”. Aprendi, por experiência própria, que o jornalismo é exatamente isso, a produção ideológica de uma suposta “realidade”, com o objetivo de influenciar a sociedade, de acordo com interesses específicos (em meu caso, o da sátira).
Em 1988, a CUT convocou uma greve geral contra a política recessiva de Sarney. Fui de mesa em mesa, convoquei meus colegas para uma assembléia, defendi a proposta da paralisação e ela foi apoiada por imensa maioria. Resultado: tive a honra de organizar a única greve em uma das empresas do Grupo Abril naquele período. No ano seguinte, criamos na redação um comitê informal de apoio à candidatura de Lula, pela Frente Brasil Popular (PT-PCdoB-PCB-PSB), fato que hoje seria impossível em qualquer redação da grande mídia. Organizamos bocas-de-urna, distribuímos panfletos e, sobretudo, convencíamos os colegas a votarem em Lula. Nossa alegria terminou com a vitória discutível de Fernando Collor de Mello nas eleições presidenciais (a partir do boato de que o empresário Abílio Diniz teria sido sequestrado pelo PT, além da edição pela Rede Goebbles do debate entre Lula e Collor, para favorecer este último, entre muitas outras ações da mídia golpista, no sentido de fabricar uma realidade que prejudicasse a vitória de Lula). Fomos demitidos, todos nós, em 1990, após a conclusão dos trabalhos da Enciclopédia, e o que aconteceu depois comentarei em outro capítulo desta emocionante novela.
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