O
TROVADOR
Sentimentos em mim do asperamente
dos homens das primeiras eras...
As primaveras do sarcasmo
intermitentemente no meu coração arlequinal...
Intermitentemente...
Outras vezes é um doente, um frio
na minha alma doente como um longo som redondo...
Cantabona! Cantabona!
Dlorom...
dos homens das primeiras eras...
As primaveras do sarcasmo
intermitentemente no meu coração arlequinal...
Intermitentemente...
Outras vezes é um doente, um frio
na minha alma doente como um longo som redondo...
Cantabona! Cantabona!
Dlorom...
Sou um tupi tangendo um alaúde!
O CORTEJO
Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! "Bom giorno, caro."
Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! Os tumultuários das ausências!
Paulicéia - a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulca
de pus e de mais pus de distinção...
Giram homens fracos, baixos, magros...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Estes homens de São Paulo,
Todos iguais e desiguais,
Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
Parecem-me uns macacos, uns macacos.
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! "Bom giorno, caro."
Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! Os tumultuários das ausências!
Paulicéia - a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulca
de pus e de mais pus de distinção...
Giram homens fracos, baixos, magros...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Estes homens de São Paulo,
Todos iguais e desiguais,
Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
Parecem-me uns macacos, uns macacos.
A ESCALADA
( Maçonariamente.)
-Alcantilações!... Ladeiras sem conto!...
Estas cruzes, estas crucificações da honra!...
-Não há ponto final no morro das ambições.
As bebedeiras do vinho dos aplaudires...
Champanhações... Cospe os fardos!
(São Paulo é trono.) – E as imensidões das escadarias!...
-Queres te assentar no píncaro mais alto? Catedral?...
-Estas cadeias da virtude!...
-Tripinga-te! (Os empurrões dos braços em segredo.)
Principiarás escravo, irás a Chico-Rei!
-Queres te assentar no píncaro mais alto? Catedral?...
-Estas cadeias da virtude!...
-Tripinga-te! (Os empurrões dos braços em segredo.)
Principiarás escravo, irás a Chico-Rei!
(Há fita de série no Colombo.
“O Empurrão na Escuridão”. Filme nacional.)
-Adeus lírios do Cubatão para os que andam sozinhos!
(Sono tre tustune per i ragazzini.)
-Estes mil quilos da crença!...
-Tripinga-te! Alcançarás o sólio e o sol sonante!
Cospe os fardos! Cospe os fardos!
Vê que facilidades as tais asas?...
(Toca a banda do Fieramosca: Pa, pa, pa, pum!
Toca a banda da polícia: Ta, ra, ta, tchim!)
És rei! Olha o rei nu!
Que é dos teus fardos, Hermes Pança?!
“O Empurrão na Escuridão”. Filme nacional.)
-Adeus lírios do Cubatão para os que andam sozinhos!
(Sono tre tustune per i ragazzini.)
-Estes mil quilos da crença!...
-Tripinga-te! Alcançarás o sólio e o sol sonante!
Cospe os fardos! Cospe os fardos!
Vê que facilidades as tais asas?...
(Toca a banda do Fieramosca: Pa, pa, pa, pum!
Toca a banda da polícia: Ta, ra, ta, tchim!)
És rei! Olha o rei nu!
Que é dos teus fardos, Hermes Pança?!
— Deixei-os lá nas margens das escadarias,
onde nas violetas corria o rio dos olhos de minha mãe...
— Sossega. És rico, és grandíssimo, és monarca!
Alguém agora t’os virá trazer.
(E ei-lo na curul do vesgo Olho-na-Treva.)
PAISAGEM N.1
Minha Londres das neblinas finas!
Pleno verão. Os dez mil milhões de rosas paulistanas.
Há neve de perfumes no ar.
Faz frio, muito frio...
E a ironia das pernas das costureirinhas
parecidas com bailarinas...
O vento é como uma navalha
nas mãos dum espanhol. Arlequinal!...
Há duas horas queimou Sol.
Daqui a duas horas queima Sol.
Pleno verão. Os dez mil milhões de rosas paulistanas.
Há neve de perfumes no ar.
Faz frio, muito frio...
E a ironia das pernas das costureirinhas
parecidas com bailarinas...
O vento é como uma navalha
nas mãos dum espanhol. Arlequinal!...
Há duas horas queimou Sol.
Daqui a duas horas queima Sol.
Passa um São Bobo, cantando, sob os plátanos,
um tralálá... A guarda cívica! Prisão!
Necessidade a prisão
para que haja civilização?
Meu coração sente-se muito triste...
Enquanto o.cinzento das ruas arrepiadas
dialoga um lamento com o vento...
um tralálá... A guarda cívica! Prisão!
Necessidade a prisão
para que haja civilização?
Meu coração sente-se muito triste...
Enquanto o.cinzento das ruas arrepiadas
dialoga um lamento com o vento...
Meu coração sente-se muito alegre!
Este friozinho arrebitado
dá uma vontade de sorrir!
Este friozinho arrebitado
dá uma vontade de sorrir!
E sigo. E vou sentindo,
à inquieta alacridade da invernia,
como um gosto de lágrimas na boca...
à inquieta alacridade da invernia,
como um gosto de lágrimas na boca...
ODE AO BURGUÊS
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampeões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos:
e gemem sangues de alguns milreis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam o “Printemps” com as unhas!
Os barões lampeões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos:
e gemem sangues de alguns milreis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam o “Printemps” com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
“-Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
-Um colar... -Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
“-Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
-Um colar... -Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas venta!s oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas venta!s oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...
P.S.: Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade, me encanta pelas imagens brutalistas ("a
grande boca de mil dentes", "o homem-curva! o homem-nádegas!",
"Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!", "Cospe os
fardos!"), pela sutileza do verso harmônico ("Traje de losangos... /
Cinza e ouro... / Luz e bruma"), pelas metáforas inusitadas ("O vento
é uma navalha nas mãos de um espanhol", “Minha alma corcunda como a
avenida São João”), pela forte oralidade da dicção ("Eu insulto o
burguês!"), pelo uso de palavras ásperas ("intermitentemente"), pelos
neologismos (“sempiternamente”, “maçonariamente”, “algarismam”) pelo conteúdo
político crítico ("se punham a pastar / rente ao palácio do senhor
presidente!"), pelas evocações ("Oh minhas alucinações!",
"Minha Londres das neblinas finas") e muitas outras coisas... é o
melhor livro de poemas de Mário, em minha opinião.
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