terça-feira, 7 de abril de 2015

CONFISSÕES INCONFESSÁVEIS (II)



Minha primeira namorada fumava maconha, ouvia rock pesado, bebia cachaça com limão, conversava com bêbados e prostitutas, gostava de revólveres, lenços de seda indiana, livros de Jung. Em cada encontro, ela fazia algo inusitado. Uma de suas transgressões favoritas era jantar em restaurantes caros e sair sem pagar a conta. Outro passatempo predileto era o de roubar livros. Eu era um rapaz tímido, bem-comportado, ficava assustado com as suas traquinagens – como disparar uma bala no meio da rua, de madrugada – e fascinado. Após dois anos de relacionamento, ela se apaixonou por um estudante de medicina – muito, muito, muito mais careta do que eu – e fiquei sem ter notícias dela por duas décadas. Imaginava coisas terríveis: que ela tinha sido morta pelo marido, ou cometido suicídio (seu espírito de autodestruição era considerável). Encontrei-a novamente, por acaso, há cerca de dois anos: continuava linda, apesar de contar 50 anos e das duas gestações. Permanecia casada com o mesmo sujeito, hoje um bem-sucedido clínico, gordo, careca e rico. Trocamos mensagens românticas, marcamos um encontro, para recordarmos os velhos tempos (ela estava insatisfeita com o casamento). Antes do grande dia, porém, leio suas postagens: um imenso festival de preconceitos de toda ordem, com os inevitáveis “Fora Dilma!” “abaixo o bolsa-miséria”, “vai pra Cuba”, “fora o Foro de São Paulo”. Desmarquei o encontro no mesmo instante, bloqueei a criatura e espero nunca mais revê-la. Realmente: aquela garota que conheci na juventude tinha morrido.

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