Minha primeira namorada fumava maconha, ouvia rock pesado,
bebia cachaça com limão, conversava com bêbados e prostitutas, gostava de
revólveres, lenços de seda indiana, livros de Jung. Em cada encontro, ela fazia
algo inusitado. Uma de suas transgressões favoritas era jantar em restaurantes
caros e sair sem pagar a conta. Outro passatempo predileto era o de roubar livros. Eu era um rapaz tímido, bem-comportado, ficava
assustado com as suas traquinagens – como disparar uma bala no meio da rua, de madrugada – e fascinado. Após dois anos de
relacionamento, ela se apaixonou por um estudante de medicina – muito, muito,
muito mais careta do que eu – e fiquei sem ter notícias dela por duas décadas.
Imaginava coisas terríveis: que ela tinha sido morta pelo marido, ou cometido
suicídio (seu espírito de autodestruição era considerável). Encontrei-a
novamente, por acaso, há cerca de dois anos: continuava linda, apesar de contar
50 anos e das duas gestações. Permanecia casada com o mesmo sujeito, hoje um
bem-sucedido clínico, gordo, careca e rico. Trocamos mensagens românticas,
marcamos um encontro, para recordarmos os velhos tempos (ela estava
insatisfeita com o casamento). Antes do grande dia, porém, leio suas postagens:
um imenso festival de preconceitos de toda ordem, com os inevitáveis “Fora
Dilma!” “abaixo o bolsa-miséria”, “vai pra Cuba”, “fora o Foro de São Paulo”.
Desmarquei o encontro no mesmo instante, bloqueei a criatura e espero nunca
mais revê-la. Realmente: aquela garota que conheci na juventude tinha morrido.
terça-feira, 7 de abril de 2015
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