A ditadura militar caiu em 1985, pela
mobilização de centenas de milhares de pessoas que foram às ruas por eleições
diretas já, no maior movimento popular de nossa história. Apesar da pressão das
ruas, a mudança de regime aconteceu via negociação entre as elites, que
conseguiram eleger, por via indireta, Tancredo Neves (PMDB) e o seu vice, José
Sarney (PFL, atual DEM), dando início à chamada "Nova República". Com
a morte de Tancredo, pouco tempo após assumir a presidência da república,
Sarney assume o cargo no Palácio do Planalto e inicia algumas ações de
democratização do estado: convoca uma Assembleia Nacional Constituinte, revoga
a maioria das leis de exceção, como a lei de censura (a Lei de Segurança Nacional
permanece até os dias de hoje), legaliza os Partidos Comunistas. O antigo
Código Civil, que considerava a mulher um "ser relativamente incapaz"
(ao lado das crianças, dos índios e dos loucos) tem o seu conteúdo revisado.
O
processo de democratização, porém, é acompanhado de corrupção intensa, inflação
elevada, desemprego, recessão. Sarney termina o mandato com elevada porcentagem
de descontentamento popular e é sucedido por Fernando Collor de Mello, em 1989,
numa eleição em que a mídia -- especialmente a Rede Goebbels -- colaborou e
muito para a derrota de Lula, atribuindo ao PT o sequestro do empresário Abílio
Diniz e apresentando na televisão uma versão editada do debate entre Lula e
Collor, para favorecer este último. Collor não avança um milímetro na
democratização do estado iniciada por Sarney, confisca a poupança de milhões de
brasileiros e inicia a política neoliberal que teria continuidade na gestão de
Itamar Franco (vice de Collor, que assumiu a presidência após o impeachment do
titular do cargo) e nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB):
privatização de empresas estatais, aplicação de medidas econômicas recessivas,
arrocho salarial, submissão ao monitoramento de nossa economia pelo FMI (que já
acontecia nos governos militares).
A
vitória de Lula nas eleições presidenciais em 2002 iniciou uma nova fase em
nossa história política, marcada por profundas transformações sociais: ao longo
de doze anos, nas duas gestões de Lula e no primeiro mandato de Dilma, mais de
30 milhões de brasileiros saíram da situação de miséria e 40 milhões
ingressaram na classe média. Os programas sociais implementados pelo governo
federal tiraram o Brasil do mapa da fome, garantindo a segurança alimentar à
população mais carente, ampliaram o acesso ao ensino técnico e à educação
superior, com a construção de mais de 400 escolas técnicas, 18 universidades e
a adoção de programas como o ProUni e o FIES. Outros programas federais, como o
Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, o crédito do BNDS para a agricultura
familiar e os microempresários, entre outras ações, elevaram o padrão de vida
das classes populares. O Brasil pagou a sua dívida com o FMI e deixou de ter
sua economia monitorada por essa instituição, manteve a estabilidade da moeda
implementada por Itamar Franco – o Plano Real – e conseguiu gerar 22 milhões de
empregos no período.
A
política exterior brasileira, pela primeira vez em nossa história recente,
afastou-se da agenda norte-americana: o Brasil reconheceu o Estado da Palestina,
condenou as agressões contra a Líbia e a Síria, fortaleceu as relações
econômicas e políticas com a América Latina, participando de instituições de
integração e cooperação regional como o Mercosul, a Unasul e a Celac (que
excluem a participação dos Estados Unidos), além de integrar os BRICs. Com a
descoberta das jazidas de pré-sal, Dilma consegue aprovar no Congresso Nacional
que 75% dos royalties (além de 10% do PIB) sejam aplicados na educação e 25% na
saúde, atendendo às reivindicações das manifestações populares de julho de
2013. O governo federal, nos governos Lula e Dilma, deixou de ser um carrasco
dos trabalhadores e dos estudantes, dialogando constantemente com as centrais
sindicais – legalizadas durante o governo de Lula –, os movimentos de trabalhadores rurais sem
terra, as entidades estudantis e populares, criou políticas de cotas para
afrodescendentes e de defesa dos direitos das mulheres. Apesar de todos estes
avanços, porém, a democratização do estado e da sociedade não se aprofundou –
os Conselhos Populares defendidos pelo governo federal foram vetados pelo
Congresso Nacional, a Reforma Política e a Reforma Tributária, com a taxação
das grandes fortunas, não saíram do papel (a Reforma do Judiciário sequer foi
cogitada) e o projeto para o fim do financiamento empresarial das campanhas
políticas foi engavetado por Gilmar Mendes.
A
eleição de um Congresso Nacional extremamente conservador, com bancadas que
defendem interesses de empreiteiras, bancos privados, grandes proprietários de
terras, empresas de comunicação, seitas evangélicas e outros setores
reacionários ameaça impor uma agenda de retrocesso ao país: redução da
maioridade penal, revisão da lei relativa ao aborto, para a sua total
proibição, restrições aos direitos de mulheres e homossexuais, fim do regime de
partilha para a exploração do pré-sal, extinção do programa Mais Médicos –
responsável pelo atendimento médico a uma população estimada em 50 milhões de
pessoas – entre outros projetos esdrúxulos, incluindo o próprio impeachment da
presidenta Dilma. A situação política atual é de crise, confronto, acirramento
da luta de classes, estimulados pela mídia, e ainda não é possível prever o seu
desfecho, para o qual será de importância fundamental a atuação dos movimentos
sociais nas ruas, respondendo à burguesia e pressionando o Congresso Nacional.
Quais
foram os grandes erros cometidos pelo PT ao longo destes 12 anos? 1) O mais
grave de todos: não ter politizado a sociedade. Não basta reduzir a miséria e
elevar o grau de consumo dos cidadãos sem um investimento correspondente na
elevação de sua consciência política, o que abriu brechas para o crescimento de
evangélicos e da extrema direita. 2) não ter pressionado o Congresso Nacional,
já nos mandatos de Lula, pela aprovação de uma lei de regulamentação dos
veículos de comunicação; 3) não ter investido na criação de emissoras públicas
de rádio, televisão, jornais e revistas com conteúdo diferente do discurso
único da mídia golpista; 4) não ter esclarecido a população, nas campanhas
políticas das últimas quatro eleições presidenciais, sobre a necessidade de
eleger grandes bancadas de deputados e senadores progressistas, para a
continuidade dos avanços sociais; 5) não ter enfrentado, politicamente, a
questão do suposto “mensalão”, permitindo que a mídia criminalizasse o partido
– situação que perdura até hoje; 6) ter realizado concessões excessivas ao
PMDB, recebendo em troca a infidelidade desse partido no Congresso Nacional; 7)
não ter chamado os movimentos sociais em apoio ao governo federal ANTES que a
crise política chegasse ao atual ponto de ebulição.
É
possível reverter esse quadro? Sim, é possível, mas o PT só poderá dar
continuidade ao projeto democrático-popular iniciado por Lula se tiver a
coragem de aprofundar, por todos os meios, a democratização do estado e da
sociedade brasileira. A outra alternativa é a do retrocesso e do caos.
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