VIDA TODA LINGUAGEM
Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente
partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo
sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará - oh
metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo,
verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes
imagens
que lhes estrelam turvas
trajetórias.
Vida toda linguagem --
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
E deus talvez, e nada
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos
mortos
com que um homem jovem, nos terraços
do inverno, con-
[tra a chuva,
tenta fazê-la enterna - com se lhe
faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.
SINTO
QUE O MÊS PRESENTE ME ASSASSINA
Sinto que o mês presente me
assassina,
As aves atuais nasceram mudas
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre homens nus ao sul de luas
curvas.
Sinto que o mês presente me
assassina,
Corro despido atrás de um cristo
preso,
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz
esquerda
Ao beco de agonia onde me espreita
A morte espacial que me ilumina.
Sinto que o mês presente me
assassina
E o temporal ladrão rouba-me as
fêmeas
De apóstolos marujos que me arrastam
Ao longo da corrente onde blasfemas
Gaivotas provam peixes de milagre.
Sinto que o mês presente me
assassina,
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora
(Na libra escorpiões pesam-me a
sina)
Há panos de imprimir a dura face
À força de suor, de sangue e chaga.
Sinto que o mês presente me
assassina,
Os derradeiros astros nascem tortos
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre o morto que enterra os
próprios mortos
O tempo na verdade tem domínio,
Amém, amém vos digo, tem domínio
E ri do que desfere verbos, dardos
De falso eterno que retornam para
Assassinar-nos num mês assassino.
BALADA
(Em
memória de uma poeta suicida)
Não conseguiu firmar o nobre pacto
Entre o cosmos sangrento e a alma
pura.
Porém, não se dobrou perante o fato
Da vitória do caos sobre a vontade
Augusta de ordenar a criatura
Ao menos: luz ao sul da tempestade.
Gladiador defunto mais intacto
(Tanta violência, mas tanta
ternura),
Jogou-se contra um mar de
sofrimentos
Não para pôr-lhes fim, Hamlet, e sim
Para afirma-se além de seus
tormentos
De monstros cegos contra só um
delfim,
Frágil porém vidente, morto ao som
De vagas de verdade e de loucura.
Bateu-se delicado e fino, com
Tanta violência, mas tanta ternura!
Cruel foi teu triunfo, torpe mar.
Celebrara-te tanto, te adorava
De fundo atroz à superfície, altar
De seus deuses solares - tanto amava
Teu dorso cavalgado de tortura!
Com que fervor enfim te penetrou
No mergulho fatal com que mostrou
Tanta violência, mas tanta ternura!
Envoi
Senhor, que perdão tem o meu amigo
Por tão clara aventura, mas tão dura?
Não está mais comigo. Nem conTigo:
Tanta violência. Mas tanta ternura.
Um de meus super-heróis preferidos...
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