“Para ser
poeta é preciso ser mais do que poeta”, escreveu Paulo Leminski. É preciso ter
os ouvidos de um músico de jazz, os olhos de um pintor cubista, o olfato de um
chef de culinária tailandesa, o tato de um cirurgião ou de um amante, que saiba
explorar cada partícula de pele. A poesia talvez seja a arte da síntese, que
assimila os recursos das outras artes, sem perder a sua especificidade, a
luxúria da palavra. Tambores pra N’zinga,
livro de estréia de Nina Rizzi (Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2012), traz
a música já no título da obra, anunciando a sonoridade de versos que exploram a
coloquialidade, a delicadeza, o humor, em peças ora fragmentárias, elípticas,
ora tecidas em fluente discursividade, herdeira do verso livre modernista.
A imagem se faz presente nessas linhas com a força de sua materialidade, como na composição em cinza e verde: “cobri o rosto em aço e folhas / que engraçado: / borboleta, cadela, estrela, nunca mais / -- isso aqui é um maciço, mínimo”. Em outra peça, intitulada pra o fim da melodia, orquestras reais, a autora diz: “lilás são os meus dentes e lábios e pernas e unhas. / minados, olhos / o meu exército, william, é de violetas”. A objetividade das coisas torna-se com frequência um recurso para a ironia ou o paradoxo, figuras caras à autora, como no poema outra cantata pra depois do nunca mais: “como poderia esquecer? / caixa de ressonância acústica, vibro: / suas palavras andam de bicicleta por meus ecos e umbigo”.
Nina Rizzi, feiticeira de vocábulos, faz da ironia lacônica a sua pedra-de-raio, o seu talismã, e apresenta ao leitor pequenos relâmpagos como estes: “já volto, vou me inexistir / no peito, aquela coisa de moer cana” (bachiana em dois movimentos para villa-lobos) ou ainda “adoro quando ela, afogada, acorda pra me ler” (pedrita numa nota). A veia erótica comparece do início ao fim do livro, ora com a sutileza do noturno: “depois, como não findasse o cio, / dava pena sentir tanto amor”, ora com a virulência do noturno da rua da glória: “há centenas de esquinas esperando / prontas pra ouvir – te amo. / mas ele, não mais, nunca mais / me diz – puta.”
Haveria muito mais o que dizer do livro de Nina Rizzi, sua dimensão política, a relação com o profano e o sagrado, a construção do tempo e da memória, mas deixarei aqui apenas essas pistas de leitura para o leitor interessado. Esta poeta, que também trabalha com o desenho, a pintura, a música, a videopoesia, surpreende como a onça de Guimarães Rosa, que não é uma, mas muitas. Vamos ouvir os toques do tambor!
A imagem se faz presente nessas linhas com a força de sua materialidade, como na composição em cinza e verde: “cobri o rosto em aço e folhas / que engraçado: / borboleta, cadela, estrela, nunca mais / -- isso aqui é um maciço, mínimo”. Em outra peça, intitulada pra o fim da melodia, orquestras reais, a autora diz: “lilás são os meus dentes e lábios e pernas e unhas. / minados, olhos / o meu exército, william, é de violetas”. A objetividade das coisas torna-se com frequência um recurso para a ironia ou o paradoxo, figuras caras à autora, como no poema outra cantata pra depois do nunca mais: “como poderia esquecer? / caixa de ressonância acústica, vibro: / suas palavras andam de bicicleta por meus ecos e umbigo”.
Nina Rizzi, feiticeira de vocábulos, faz da ironia lacônica a sua pedra-de-raio, o seu talismã, e apresenta ao leitor pequenos relâmpagos como estes: “já volto, vou me inexistir / no peito, aquela coisa de moer cana” (bachiana em dois movimentos para villa-lobos) ou ainda “adoro quando ela, afogada, acorda pra me ler” (pedrita numa nota). A veia erótica comparece do início ao fim do livro, ora com a sutileza do noturno: “depois, como não findasse o cio, / dava pena sentir tanto amor”, ora com a virulência do noturno da rua da glória: “há centenas de esquinas esperando / prontas pra ouvir – te amo. / mas ele, não mais, nunca mais / me diz – puta.”
Haveria muito mais o que dizer do livro de Nina Rizzi, sua dimensão política, a relação com o profano e o sagrado, a construção do tempo e da memória, mas deixarei aqui apenas essas pistas de leitura para o leitor interessado. Esta poeta, que também trabalha com o desenho, a pintura, a música, a videopoesia, surpreende como a onça de Guimarães Rosa, que não é uma, mas muitas. Vamos ouvir os toques do tambor!
Pela resenha, já imaginamos que o livro vale a pena.
ResponderExcluirParabéns, Nina!
Grata, Claudio Daniel, pela leitura e delicadeza da nota. Debruçar-se sobre a arte e refletir sobre ela é uma dádiva, um prazer impróprio dos estoicos. Kandandu!
ResponderExcluirQue ótimo ! Não sabia do livro... desde que conheci o blog da Nina fiquei fascinado pela sua poética...
ResponderExcluirGrande Nina !