sexta-feira, 26 de junho de 2009

UM POEMA DA FERA BIFRONTE


ESCRITO EM OSSO

I

Fósseis argumentos
Esqueléticas grafias
Autofágica página
Inescrita, devoluta.

*
lepra da língua simulando sêmele.
mão-do-caos
olho-de-treva
um corvo azul irrompe
no poema.

*
Extinção de estrela ou
Mudez do mar.

*
falange deslabiada contradição
entre memória e mundo.

*
Fossem falcões de simetria,
Mas apenas figuras

Espiraladas.

*
palavras desventradas
da cadela, sons fecais
em hinos de desmemória.

*
Pois toda história humana
É um volume fechado
De cíclica desleitura.

*
um corvo azul irrompe
no poema.

*
Essa a letra fosca a peripécia
O motejo expandido
Em espelhismo de lacraias.

II

sou espectro de mim.

*
no extravio das hipóteses,
expansão de territórios
fermentando fêmures

(ruínas de um vocabulário;
escura caligrafia
rasurando crânios).

desfoliante na curva do vento,
onde o leão do labirinto
recifra-se em ecos.

(...)

sou alimária de mim.

*
a mente como um focinho
escavando raízes
no aterro da memória

(palavras são despojos,
o sentido fraturado de tudo:
cegueira inventando cores).

precárias percepções
do caos ensimesmado:
nenhuma música aqui.

(...)

sou descosturado de mim.

*
flagelar os chifres do céu,
catarata-capricórnio
esfumada em carbono

(destrinchar o mapa celeste
com cálculos e equações
até o nada absoluto.)

num ponto qualquer
do planeta, órgãos retirados
de corpos sem autópsia.

Para Wilson Bueno, 2006

(Poema do livro Fera Bifronte, de Claudio Daniel, publicado pela Lumme Editor.)

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