“A poesia de Claudio Daniel logo se me impôs como uma poesia da leitura, mais do que uma poesia da escrita, precisamente no espaço de uma dialética do desejo e do jogo que suscita a fruição. Uma poesia que provoca o leitor na sua função de produtor de signos interpretantes, mais do que lhe propondo uma poética da escrita, ao modo da poesia experimental. Escrita predominantemente conotativa, é certo, mas que desvia o leitor da tentação da identificação entre autor e escrita, para privilegiar as relações entre o texto e o leitor, levando-o a ler e reler, até à formação de uma constelação de significados probabilísticos e talvez efêmeros, mas todos de elevada fruição e prazer. (...) O registro estilístico é um registro mínimo, evocando o condensare de um Ezra Pound ou de um Ungaretti, e acirrando a luta entre as “feras” vivas mas ocultas nos poemas (palavras de carbono) e a sua plenitude de uma mítica provável, de que o leitor será também responsável. (...) Qualidades essas que nos poemas de Claudio Daniel nos aparecem numa escrita mínima, em versos de poucas sílabas e de forma visual esguia, em que a condensação é apenas um disfarce fenotextual de uma estrutura subliminar de alcance mítico muito mais complexo.
É o que acontece com os pequenos animais que animam muitos dos poemas de Claudio Daniel, principalmente do livro Pequenas aniquilações, tais como: Formiga, Traça, Pulga, Barata, Piolho. Ou ainda em outros livros, outros animais: Caranguejo, o camelo, o cetáceo, o tigre, o leão, os peixes; ou partes de animais: o olho, a cabeça, a anticabeça, o osso, os seios, e Poros, Cabelos, Unhas, Dentes, Sangue, cuja natureza de feras escritas se comunica a pequenos objetos do quotidiano: Chave de Fenda, Secador de cabelos, Guarda-chuva, Garrafas, Botas de Borracha. Mas também No olho da agulha, ou mesmo na Memória, nas Sex shop, Pet shop e até na Coffee shop… Mas também os lugares referidos (ou feridos?) no livro A Sombra do Leopardo comparecem nos textos dos poemas, não como fatos descritivos mas sim como signos ferozes que remetem o leitor para zonas inesperadas da sua imaginação que poderemos constatar estar contaminada pelo estilema do excesso, característico do Barroco.
Por isso nos vêm à memória os poemas das séries das frutas e das flores de Soror Maria do Céu (1658–1753) notabilíssima poeta do Barroco português e contemporânea da pintora Josefa d’Óbidos, famosa pelas pinturas de frutos e flores que esteticamente correspondem às séries dos poemas de Maria do Céu, tal como foi estudado comparativamente por Ana Hatherly no ensaio As misteriosas portas da ilusão, a propósito do imaginário piedoso em Sóror Maria do Céu Josefa d’Obidos, in Josefa d’Óbidos e o Tempo Barroco, Coordenação de Vítor Serrão, Lisboa, 1993.
A organização de séries temáticas, tais como as já citadas da poesia de Claudio Daniel, mas também as obras com semelhante organização temática, como O Livro dos Seres Imaginários, de Jorge Luís Borges, ou As Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino (para só dar dois exemplos do século XX), constituem referências inequívocas do ressurgimento de certos aspectos do Barroco a que hoje se chama de Neobarroco, estética esta que, tendo-se iniciado por volta de 1960, pode ser considerada hoje como o denominador comum das diversas manifestações artísticas inventivas contemporâneas."
(Trecho do posfácio de Fera Bifronte, escrito pelo poeta português E. M. de Melo e Castro.)
É o que acontece com os pequenos animais que animam muitos dos poemas de Claudio Daniel, principalmente do livro Pequenas aniquilações, tais como: Formiga, Traça, Pulga, Barata, Piolho. Ou ainda em outros livros, outros animais: Caranguejo, o camelo, o cetáceo, o tigre, o leão, os peixes; ou partes de animais: o olho, a cabeça, a anticabeça, o osso, os seios, e Poros, Cabelos, Unhas, Dentes, Sangue, cuja natureza de feras escritas se comunica a pequenos objetos do quotidiano: Chave de Fenda, Secador de cabelos, Guarda-chuva, Garrafas, Botas de Borracha. Mas também No olho da agulha, ou mesmo na Memória, nas Sex shop, Pet shop e até na Coffee shop… Mas também os lugares referidos (ou feridos?) no livro A Sombra do Leopardo comparecem nos textos dos poemas, não como fatos descritivos mas sim como signos ferozes que remetem o leitor para zonas inesperadas da sua imaginação que poderemos constatar estar contaminada pelo estilema do excesso, característico do Barroco.
Por isso nos vêm à memória os poemas das séries das frutas e das flores de Soror Maria do Céu (1658–1753) notabilíssima poeta do Barroco português e contemporânea da pintora Josefa d’Óbidos, famosa pelas pinturas de frutos e flores que esteticamente correspondem às séries dos poemas de Maria do Céu, tal como foi estudado comparativamente por Ana Hatherly no ensaio As misteriosas portas da ilusão, a propósito do imaginário piedoso em Sóror Maria do Céu Josefa d’Obidos, in Josefa d’Óbidos e o Tempo Barroco, Coordenação de Vítor Serrão, Lisboa, 1993.
A organização de séries temáticas, tais como as já citadas da poesia de Claudio Daniel, mas também as obras com semelhante organização temática, como O Livro dos Seres Imaginários, de Jorge Luís Borges, ou As Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino (para só dar dois exemplos do século XX), constituem referências inequívocas do ressurgimento de certos aspectos do Barroco a que hoje se chama de Neobarroco, estética esta que, tendo-se iniciado por volta de 1960, pode ser considerada hoje como o denominador comum das diversas manifestações artísticas inventivas contemporâneas."
(Trecho do posfácio de Fera Bifronte, escrito pelo poeta português E. M. de Melo e Castro.)
Miragem & Míriade
ResponderExcluirOnde está o silêncio?
o silêncio onde está?
está onde o silêncio?
o onde está silêncio?
onde está está está!?
[(Outra)] Voz:
- Ki
.....................
{ }