A VERDADE DO TEMPO REVERSÍVEL
Osvaldo Lamborghini sustentava que “nestes pobres momentos de pobres tentativas, de tanta poesia baixamente etnográfica”, com tantos “carriegos órfãos da leitura de Borges”, Arturo Carrera estava elaborando “uma poética etnológica”, que propunha, sem dúvida, um excesso, o de “devolver ao trabalho poético seu caráter de modelo sobredeterminante das demais funções da linguagem”, para inscrevê-lo no terreno do mais puro materialismo. Se esta poética etnológica não tem uma história, tem sim, ao menos, uma arqueologia bastante precisa que podemos pontuar aqui.
Podemos remontar a Alfred Métraux, especialista em antropofagia tupinambá e diretor do Instituto de Etnografia da Universidade de Tucumán, que registrava em seu diário de 1931, ao atravessar o altiplano boliviano, algo interessante: somente em Chipaya chegou a compreender a íntima coesão econômica que vincula toda a humanidade, irreversivelmente inscrita em uma esfera mundial unitária. Mesmo nessa recôndita paragem, a crise de superprodução de 1930 havia afetado também, e de modo tão profundo, esses índios paupérrimos, isolados do mundo e quase perdidos em seu deserto inacessível, aos quais não se podia negar, no entanto, a inclusão em um todo que sem cessar os ignorava.
Com efeito, apesar da crise, os lamentáveis Uro-Chipayas haviam conseguido manter suas festas rituais, sua ordem simbólica, que depois, em um ensaio de 1935, o mesmo Métraux associaria às estratégias econômicas do potlatch ou dom. No escambo e na dívida criadora de vínculo, Métraux reconhecia, junto com seu amigo Bataille, um poder de singularização, um modo de participação e, antecipando os argumentos de Derrida, até mesmo um pensamento do ser que é, na verdade, um pensamento sobre o tempo. A partir destas concepções, Métraux ficava em condições de dar um passo além e interpretar um enigma pertinaz em seu livro posterior, dedicado à ilha de Páscoa. Depara-se ali com essas misteriosas inscrições em tábuas de madeira, esses signos falantes chamados kohau rongorongo, que durante longos anos intrigaram viajantes e etnógrafos, concluindo que não se tratava de uma autêntica escritura – o umbral da história – senão de simples fórmulas mnemotécnicas que só mais tarde adquiriram valor sagrado.
Na realidade, Métraux chegava a essa conclusão porque, à maneira mimológica de Mallarmé ou Valéry, lia as tais inscrições a partir de uma bem precisa concepção da linguagem, a de um “puro espaço da ficção”.
Como certos poetas atravessados pelo luto e o trauma, Métraux via no esquecimento o ritual de fundação da literatura, como se esta buscasse, através da amnésia, retomar os vínculos com a improvável origem e como se a palavra não dispusesse, a rigor, de nenhuma archè capaz de afiançar seus fundamentos. Se os etnógrafos funcionalistas interpretavam a hipotética escritura das madeiras gravadas como remédio diante do esquecimento, a tese da linguagem como memória, adotada por Métraux, busca, porém, no esquecimento, um remédio contra a falta de fundamento da literatura. Diríamos assim que, na primeira perspectiva, o mito atua para que a perda da origem não seja completamente obliterada e possa ser comemorada como formação de uma literatura em busca, precisamente, de origem. Mas, segundo a concepção mnemônica, o que define a literatura, ao carecer pois de um marco fundacional, é, ao contrário, a infinita oscilação em sua indecidibilidade.
Uma das cabeças mais lúcidas da vanguarda do Prata, Xul Solar, com uma aguda (e mallarmeana) compreensão da linguagem, também chegou a escrever que o mais original e oneroso desse costume, o potlatch, era
la destrucción de bienes para humillar a la otra parte, la que debía hacer otro tanto, o más, para no quedar en la vergüenza; mientras que, si el huésped ganaba de mano al anfitrión que no podía “retrucar”, era éste el que perdía rango, quedando como descalificado, tal que mejor era desaparecer o a veces suicidarse. Se conservan descripciones de tales fiestas sádicas en que el orgullo de sí y el desprecio y burla hacia los otros se expresan sin ningún pudor, de parte de protagonistas triunfantes; pero no se sabe qué pensaba de ello el pobre vulgo que no podía jactarse de nada.
(Leia o texto integral na edição de fevereiro da Zunái)
Ótimo encontrar aqui este texto do Raúl Antelo! Consultarei a edição da Zunái para lê-lo na íntegra. Abraço azul!
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