sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

UM CONTO DE GIOVANNA BATINI

MARILIA

Marília não quer ser modelo, atriz ou dançarina. Nunca quis ser bailarina. Ela tem uma beleza doente, destas que dóem na gente, como doce de leite em dente cariado.

Marília não gosta de feriado, só de dia de finados, ela combina vermelho e preto em seus bordados e levanta a saia pros criados.

Marília freqüenta velórios sozinha, sem companhia e observa atentamente, dentro do caixão, a posição da mão, o roxo dos lábios e das unhas, a decoração.

Gosta de tocar no rosto gelado, sentir os odores de putrefação misturados ao perfume de flores e velas.

Marília beija a boca do defunto, grita, diz querer ir junto, mas nunca assiste ao enterro, sai pelo cemitério em passeio. Visita lápides, faz obra de caridade, rouba vasos de um morto e coloca em mármore de outro.

No final do dia, Marília cola em seu diário anúncios de obituário e ao seu lado a foto do sujeito que subtraiu do seu jardim de cruzes.

Antes de dormir e apagar as luzes, cruza os dedos e pede pra ter pesadelos...

Hoje é dia de festa, Marília faz dezoito anos, sua mãe já fez os seus planos: - decorou a casa e chamou a família e amigos, Marília tomou providências: - enterrou no jardim todos os seus vestidos coloridos...

Ela tem um jeito esquisito, diz falar com o espírito de um menino, que ao contrário de outras fotos, deixa-a em cima de sua penteadeira, esta noite, disse-lhe dançar com ele a noite inteira e promete-lhe sua mão.

Desce pra sua festa, senta-se frente à porta e espera seu pretendente.

A noite passa de mansinho, seus olhos não desprendem da entrada, por onde saem também, seus convidados, sua mãe se retira cansada.

Marília fica sentada e de repente a porta escancara lentamente... Buscando a sua mão delicada, ele puxa-a da cadeira e saem pela porta, deixando para trás, o corpo da menina morta...
(Leia outros contos na edição de fevereiro da Zunái)

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