Oriki é o poema ritual da tradição iorubá,
cantado até hoje nos terreiros de umbanda e candomblé, celebrando deuses, reis
e herois lendários. Quem introduziu o oriki
no Brasil foram os negros africanos, escravizados no período colonial-monárquico,
que conservaram as suas tradições religiosas sob o aparente sincretismo com o
culto aos santos da devoção cristã. As primeiras traduções desses textos orais para
o idioma português em forma poética foram realizadas por Antonio Risério em seu
belíssimo livro Oriki orixá,
publicado pela editora Perspectiva na coleção Signos, dirigida por Haroldo de
Campos. Nesse livro, Risério apresenta aos leitores excelentes ensaios críticos
e traduções de alguns desses poemas cantados. Ricardo Aleixo publicou orikis de sua autoria no livro A roda do mundo. Ricardo
Corona, Fabiano Calixto e Frederico
Barbosa também escreveram bons orikis. Claudio Daniel, em seu Livro de orikis, procura manter elementos do oriki tradicional -- os nomes e epítetos
dos orixás, seus mitos, atribuições e atributos, com uma visada crítica
contemporânea, incorporando temas da situação política e social do país. Todos
os poemas que compõem o livro foram escritos entre fevereiro e março de 2015,
com exceção do Oriki de Orunmilá, redigido em 2006. As linhas apresentadas em
itálico no interior dos poemas são citações de “pontos” cantados nos rituais em
diversos terreiros no Brasil e os textos são apresentados conforme a ordem do xiré cantado no candomblé (foi adotada a
sequência estabelecida por Pierre Verger no livro Os orixás, com poucas variações). A seleção de 18 orixás homenageados
no livro incorporou divindades cultuadas nas tradições ketu, bantu e jejê. No final do volume, é apresentado
um glossário com as palavras em iorubá que aparecem nos poemas. Quem quiser
adquirir o livro pode solicitá-lo ao editor Eduardo Lacerda pelo e-mail editorapatua@gmail.com
Leia abaixo alguns poemas do livro:
EXU
Lagunã
corrige o corcunda.
Faz
crescer a lepra do leproso.
Põe
pimenta no cu do curioso.
Legbá
ensina cobra a cantar.
Entorta
aquilo que é reto,
endireita
aquilo que é curvo.
Exu
Melekê — o desordeiro
faz a
noite virar dia e o dia
virar
noite. Surra com açoite
o
colunista da revista. Cega
o olho
grande do tucano —
e zomba
do piolho caolho.
Marabô
vai-vem-revém.
Quente
é a aguardente
do
delinquente. Elegbará
com seu
porrete potente
quebra
todos os dentes
do
entreguista privatista.
Bará
tem falo de elefante.
É o
farsante dos farsantes:
fode a
mulher do deputado
hoje –
e faz o filho ontem.
Agbô
confunde o viajante
e o faz
perder a sua rota.
Bará
Melekê compra azeite
no
mercado — levando peneira
volta
sem derramar uma gota.
Larôye
Exu! O desalmado
soma
pedras e perdas na sina
do
condenado. Sete Caveiras:
que
seja suave minha sina
neste
mundo tão contrariado.
Que
seja suave – Larôye Exu!
OGUM
Ogum
Oniré
pisca o
olho
e cai
um dedo
do
mentiroso.
Pesca o
peixe
sem ir
ao rio.
Molamolá
—
farejador
de
farelos —
livra
seus filhos
do
abismo.
Ogum Ondó
viajou
a Ará
e a
incendiou.
Viajou
a Irê
e a
demoliu.
Senhor
de Ifé,
livra
seus filhos
do
abismo.
Ogundelê
malha o
ferro
e faz
flechas
de
flagelo.
Comedor
de cães
fulmina
o racista.
Ogum Megê
queima
o sangue
do
fascista.
Megegê
golpeia
o golpista
da
revista.
Ferreiro-ferrador
forja a
foice
forja o
martelo.
Que não
falte
o
inhame.
Que não
falte
massa
de pão.
Pai do
meu avô,
livra
seus filhos
do
abismo.
Ògún ieé!
OXOSSI
Akueran feiticeiro
sabe folha
que mata.
Akueran feiticeiro
sabe folha
que cura.
Akueran feiticeiro
fere o olho
do sol.
Akueran feiticeiro
mata a morte
de medo.
Akueran feiticeiro
faz janeiro
virar outubro.
Akueran feiticeiro
faz amarelo
virar vermelho.
Akueran feiticeiro
encanta a lua
com sua beleza.
Akueran feiticeiro
apavora a terra
com sua força.
Akueran feiticeiro
livra seus filhos
da fome.
Akueran feiticeiro
livra seus filhos
da usura.
Òké Aro! Arolé!
XANGÔ
Xangô
Oluaxô —
o raio
rubro
rasga o
céu.
Obakossô
faz o
forte fugir
de
medo.
Alafim
de Oió
não
lute comigo.
Alafim
de Oió
seja
meu abrigo.
Oba
Arainã
fala
com boca
Oba
Arainã
fala
com olhos
Oba
Arainã
fala
com pele
Oba
Arainã
fala
com raio.
Leopardo
de Oiá
não
lute comigo.
Leopardo
de Oiá
seja
meu abrigo.
Aganju
olho-de-chispa
mata o
que mente
com
pedras de raio.
Mastiga
os juízes.
Castiga
a mídia.
Oba
Lubê
não
lute comigo.
Oba
Lubê
seja
meu abrigo.
Oba
Orungá dança alujá
queima
a xota
da
dondoca.
Oba
Orungá dança alujá
queima
o falo
do
Bolsonaro.
Oba
Orungá dança alujá
e saúda
a beleza
que há
no mundo.
Oba
Orungá dança alujá
e saúda
a beleza
que há
no mundo.
Kawó
Kabiesilé!
LOGUNEDÉ
Dedicado a Gilberto Gil
Logunedé
leopardo-menino-
aquele-que-nasceu-
numa-pétala-
de-flor-
Logunedé
leopardo-menino-
beleza-preta-
senhor-de-toda-
a-beleza-
Logunedé
leopardo-menino-
filho-d’Oxum-
pesca-nas-águas-
d’Oxum-
Logunedé
leopardo-menino-
filho d’Oxóssi-
caça-nas matas-
d’Oxossi-
Logunedé
leopardo-menino-
sabe-todos-os
feitiços-
Logunedé
leopardo-menino-
sabe-feitiço-
que-mata-
Logunedé
leopardo-menino-
sabe-fetiço-
que-cura-
que-cura-
Logunedé
leopardo-menino-
o-que-foi-mudado-
em-cavalo-
marinho-
Logunedé
leopardo-menino-
muda-de-forma
em-todas-as-
formas-
Logunedé
leopardo-menino-
vira-lua-pavão-
e-água-do-rio-
Logunedé
leopardo-menino-
vira-onça-
poesia-estrela-
tempestade-
Logunedé
leopardo-menino-
senhor-de-todas-
as-surpesas-
Logunedé
leopardo-menino-
faz-o-baobá-
virar-formiga-
e-a-formiga-
virar-centelha-
Logunedé
leopardo-menino-
o-que-veste-saia-
no-palácio-
d’Oxum-
Logunedé
leopardo-menino-
castra-aquele-
que-estupra-
Logunedé
leopardo-menino-
protege-as-suas-
três-muitas-
rainhas-
rainhas-
Logunedé
leopardo-menino-
protege-todas-
as moças-
todas-as-moças-
são-rainhas-
Alaketo-ê
Ala Ni Mala
Ala Ni Mala
okê
Ala Ni Mala
Ala Ni Mala
okê
Eru wawá!
OBÁ
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
lutou
com Oyá
venceu
Oyá.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
lutou
com Exu
venceu
Exu.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
lutou
com Oxalá
venceu
Oxalá.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
cortou
a orelha
por intriga
d’Oxum.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
cortou
a orelha
por amor
de Oba-
Orungá.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
protege
aquele
que ama.
Obá Obá
protege
aquele
que luta.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obà Siré!
OXALÁ
Oxalufon —
aquele-que-caminha-
na-areia-
mestre dos corcundas
Obatalá —
aquele-que-come-
caracol-
forte como touro branco
Onírinjà —
aquele-que-nunca-
se-esquece-
faz o mentiroso
ficar surdo.
Ọbaníjìta —
aquele-que-nunca-
se-esquece-
faz o mentiroso
ficar mudo.
Olufón —
aquele-que-grita-
quando-acorda-
livra a filha
da armadilha.
Òòsàálá —
aquele-que-come-
rato-e-peixe
faz a moça estéril
embarrigar.
Olúorogbo —
aquele-que-fulmina-
fascista-
faz tucano virar
farelo.
Orixanlá —
aquele-que-se-veste-
de-branco
aquele-que-canta-
vestido-de branco
aquele-que-dança-
vestido-de-branco
aquele-que-é-dono-
da-xota-de-Iemanjá
— Òrìşáko!
Epa Bàbá!
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